A Quadratura do Círculo Europeu.
Os europeus, através das resoluções tomadas pelo Conselho Europeu da semana passada, tomaram consciência do quão difícil é resolver entre si o problema das constantes migrações que chegam à Europa, oriundas do continente africano.
No centro desta discussão estava, para uns, a política europeia de Asilo Comum dos migrantes, enquanto para outros o que estava em causa era a travagem completa dessas migrações.
Nessa reunião de todos os poderes governamentais dos países da União Europeia ficaram patentes as enormes fracturas existentes entre uns e outros, sobre como resolver a questão das migrações, sem ferir os interesses eleitorais de cada Governo e sem esvaziar os fundamentos humanistas da própria União.
De um lado, a Alemanha, Suécia (países que mais imigrantes têm acolhido), França, Espanha, Portugal (entre outros) são países que querem manter os princípios da solidariedade europeia. Do outro, o irritado e irritante Primeiro-Ministro italiano Giuseppe Conte (mandatário da coligação populista da Liga Norte e M5s) a exigir mais solidariedade, e a Grécia e Malta, países onde têm desembarcado as maiores vagas de imigrantes. E ainda de um outro lado, aqueles que não querem qualquer imigrante no seu território, como é o caso da Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia, não esquecendo a Áustria.
No final, as parcas conclusões apuradas resumiram-se a várias incógnitas práticas destinadas a “salvar a honra do convento”.
Assim, após uma longa noite de discussões e acusações colectivas, os governantes da União Europeia admitiram a criação de centros fechados de migrantes nos Estados-membros que aceitem “voluntariamente” acolhê-los, a fim de processar os pedidos de asilo e dividindo-os entre imigrantes legais (aqueles que fogem das guerras e perseguições nos seus países de origem) e imigrantes ilegais (os que chegam à europa por razões económicas). Os primeiros poderão ser aceites e os segundos serão reenviados para os seus países de origem. Surgiu igualmente a “ideia” de criar esse mesmo tipo de centros de migrantes nos países do Norte de África, contando com o apoio das Nações Unidas e da Organização Internacional das Migrações. Há semelhança do “tampão” turco já existente, o Mediterrâneo passará a ser vigiado e constituído como uma espécie de fronteira fechada entre África e a Europa.
Sendo as principais conclusões colectivas assentes no “voluntarismo” dos Estados-membros (considerando as enormes divergências existentes) e no eventual apoio das Nações Unidas para os centros de recenseamento a instalar no Norte de África – ao que parece, nenhum dos países desta zona aceita instalar esses centros – tudo indica que os líderes europeus chegaram a uma “não-resolução” do problema.
Talvez algumas negociações bilaterais (à margem do colectivo) propostas pela Alemanha, seguida pela França, Espanha, Portugal e outros, permitiram “adocicar” as resoluções para que, no final, todos considerassem terem sido dados passos importantes. Em tudo isto foi notório a ajuda dada a Angela Merkel, que enfrenta problemas com os seus parceiros de coligação do Governo alemão, quanto à sua política para com a imigração.
O Primeiro-Ministro português também não se inibiu de prestar esse auxílio, aceitando a reentrada em Portugal de cerca de duzentos imigrantes que tinham pedido asilo a Portugal e que depois foram para a Alemanha. Além disso, reforçou o fundo europeu de apoio a África, passando de 1,8 milhões de euros para cinco milhões, a somar aos 336 milhões de euros para a Ajuda Pública ao Desenvolvimento e alinhando assim com outros países de semelhante dimensão.
Este mundo está estranho e muito diferente de há cinquenta anos!
Todos reconhecemos que a entrada de milhões de imigrantes económicos na Europa não resolve os problemas de pobreza nos países de onde são oriundos; antes enriquece um vasto grupo de mercenários que atiram com essa gente para o mar. Mas a “guerra” a travar não é deixá-los afogar, antes ajudar a criar condições nos países de origem para que a fome também não os mate, nem que para isso se intervenha de forma “eficaz”, desafiando poderes autocráticos instalados e não receando que nos apelidem de “neocolonialistas”.
Porque o mundo está bem diferente economicamente e evoluiu substancialmente a consciência colectiva, humanitária e solidária dos países europeus, permitindo a pacificação e desenvolvimento deste continente, é preciso impor regras no relacionamento internacional com os países africanos, que defendam o direito dos seus povos a usufruírem da riqueza criada nos seus países e não alimentem os especuladores externos, nem os corruptos internos.
Por outro lado, sabemos que a União Europeia atravessa um grave problema de demografia e que estes emigrantes, desde que integrados no mercado de trabalho, são uma ajuda a prazo para combater o nosso défice demográfico. No entanto, e neste mundo estranho, há quem pense que tal constitui um perigo para a manutenção da nossa identidade, como se, neste mundo globalizado e tecnicamente evoluído, tal constitua uma fortaleza contra toda e qualquer influência externa.
Também eu sou a favor da preservação de muitos aspectos da nossa identidade europeia, mas e nomeadamente dos valores humanistas que ela encerra e de que não devemos abdicar na nossa relação com os outros povos, sejam eles europeus, asiáticos, africanos ou americanos. Se renunciamos a isto na nossa relação com os outros, estamos a meio caminho de o fazermos entre nós.
Luis Barreira