São apenas sete décadas.
Quando este texto for publicado, estaremos – eu mais a minha mulher – a dois dias da primeira data importante do calendário de Fátima, o 13 de Maio, que marca o arranque das comemorações das Aparições de Nossa Senhora na Cova de Iria, em 1917. Como sempre, nestas datas entre Maio e Outubro, os grupos de peregrinos de vários pontos de Portugal multiplicam-se e, uns de mais longe, outros de mais perto, lá vão caminhando rumo ao Santuário.
Cumprindo uma promessa feita por mim há alguns anos, desta vez decidimos fazer a caminhada juntos, mas tendo em conta o estado de saúde da NaE optámos por etapas semanais. Iremos caminhar todas as quartas-feiras do mês de Maio, com o objectivo de percorrer os pouco mais de cem quilómetros que separam a nossa vila do local das aparições aos pastorinhos.
A primeira etapa foi realizada entre Mira e a Figueira da Foz, ou seja, cerca de 34 quilómetros que nos levaram cerca de dez horas a cumprir, com pausas para descanso, pequeno-almoço e almoço. A segunda etapa ocorreu na passada quarta-feira, embora à data da escrita destas linhas ainda não havia sido levada a cabo.
É interessante ver Portugal nesta época do ano – um clima mais ameno, quente muitas vezes, que faz com que as pessoas andem mais bem dispostas, algo que se verifica ao longo do percurso da caminhada. São inúmeras as pessoas, ora na borda da estrada, ora em carros que vão passando, que tentam incentivar com pequenos gestos, poucas palavras e sinais de luzes quem com sacrifício vai calcorreando, passo-a-passo, os metros em direcção a Fátima. De certa forma, contribuem para que o ânimo não diminua nos momentos em que a caminhada se torna mais pesada. A cada sinal de apoio parece que as forças se renovam e nos impulsionam para mais uns quilómetros.
No primeiro dia de caminhada, para além das razões que me levaram a cumprir a promessa, transportava outro pensamento na cabeça: o aniversário d’O CLARIM.
Foram sete décadas que se festejaram recentemente e que, propositadamente, não abordei na coluna da semana passada. Para o efeito estavam em Macau todos os meus camaradas, que diariamente dão corpo e alma a este jornal. Antes de mais, um bem haja para todos eles!
Para mim, O CLARIM sempre foi um porto de abrigo, apesar de nunca ter trabalhado a tempo inteiro na sua redacção. Pode ser que um dia tal venha a acontecer… Mas o facto de ser colaborador a tempo inteiro, desde 2003, dá-me um orgulho imenso.
Mais abençoado me sinto por ter tido a oportunidade de trabalhar com reputados jornalistas, como um dos fundadores do semanário, o saudoso e grande amigo professor Silveira Machado, ou o não menos saudoso Josué da Silva, que nos deixou tão cedo e que tanto deu a Macau em termos literários, sendo raramente lembrado e reconhecido. Também não posso deixar de referir o Pedro Dá Mesquita ou o Joaquim Magalhães de Castro que continua semanalmente a escrever nestas páginas. Aliás, o Joaquim, se não me falha a memória, deve ser o jornalista mais antigo d’O CLARIM. Eu deverei ser o segundo ou o terceiro mais antigo. Recordar estas coisas faz-me sentir honrado… e velho!
Na retrospectiva destes setenta anos logo me vem à memória um dos seus mais emblemáticos ex-directores, um homem que transformou O CLARIM num jornal de referência, que infelizmente nos deixou precocemente e que muitos criticavam dizendo que nada sabia de jornalismo. Refiro-me ao grande amigo padre Albino Bento Pais, que após um estúpido acidente de motorizada na Ponte Sai Van nunca mais foi o mesmo. A doença que viria a contrair em resultado do acidente impossibilitou-o de recuperar totalmente, apesar de todo o apoio que recebeu do corpo clínico do Centro Hospitalar Conde de São Januário, assim como da equipa do semanário que dirigia, especialmente do seu actual editor José Miguel Encarnação. Em boa verdade, o José Miguel é a razão do jornal que temos hoje – foi ele que muitas vezes sozinho, outras com o apoio de todos, foi levando o barco a bom porto.
Foram setenta anos de altos e baixos, mas sempre de uma qualidade jornalística nunca questionada. O CLARIM sempre primou por ser independente, mesmo tratando-se de um órgão de comunicação da Igreja Católica em Macau. Assim nasceu, assim vai vivendo e assim esperemos que continue, mesmo que muitos o queiram silenciar ou encontrar formas de o amordaçar.
Fora de Macau, quando se fala d’O CLARIM, especialmente junto da Diáspora Macaense ou de pessoas que viveram em Macau parte da sua vida, a opinião é unânime: O CLARIM é o jornal de língua portuguesa de referência no território. Não tirando mérito ao Jornal Tribuna de Macau (onde iniciei a minha actividade jornalística), ao Ponto Final ou ao Hoje Macau (também trabalhei no seu antecessor Macau Hoje), quem lê O CLARIM pode ter a certeza de que está a obter informação que não é influenciada por qualquer grupo económico. Na realidade, sofremos por diversas vezes as agruras do poder político por pensarmos pela nossa cabeça. O caso mais recente remonta há vários anos, mas ainda está fresco na memória de quem acompanha a Comunicação Social da RAEM. Dificilmente será esquecido o incidente com uma notícia a envolver uma secretária do Executivo de Edmund Ho.
Espero que O CLARIM continue por mais setenta anos e que quem nos vier substituir saiba honrar a história que lhe legamos.
A terminar, um bem haja a todos, especialmente aos nossos leitores e a quem diz que não nos lê….
João Santos Gomes