Uma biodiversidade ameaçada.
Dos picos nevados dos Himalaias, a norte, à orla de corais do arquipélago de Mergui, a sul, os dois mil quilómetros de extensão de Myanmar atravessam três zonas ecológicas distintas, todas elas dentro do espectro biogeográfico indo-malaio. A saber: a sub-região indiana ao longo da zona fronteiriça com a Índia e o Bangladesh; a sub-região da Indochina, a norte, na fronteira com o Laos e a China; e a sub-região sundaica, na fronteira com a Tailândia peninsular. No seu conjunto, estas regiões englobam a mais rica biodiversidade de toda a Ásia. Devido a décadas de isolamento voluntário de Myanmar em relação ao resto do mundo, pouco trabalho de investigação foi até hoje realizado no campo da história do meio-ambiente. A maior parte dos estudos existentes remontam ao período colonial britânico, e os seus dados encontram-se, portanto, desactualizados. Aliás, no País, o sector terciário só muito recentemente começou a atingir padrões internacionais, após declínio acentuado desde o início da década de 1970. A progressiva e sempre tímida abertura de Myanmar ao turismo e ao investimento estrangeiro não resultou na vinda ou formação de experientes investigadores da vida selvagem, mas tudo indica que isso virá a acontecer dentro em breve.
DIVERSIDADE DE FLORA E FAUNA– À semelhança da restante Ásia tropical, a vegetação indígena de Myanmar está associada a dois tipos básicos de floresta: a floresta de monção (com uma distintiva estação seca que dura três meses ou mais) e a floresta tropical propriamente dita (onde chove durante nove ou mais meses por ano). O tipo de flora mais generalizado inclui uma incrível variedade de árvores de fruta, para cima de 25 mil tipos de flores, diversos géneros de árvores de grande porte e muito bambu. Deste último, considerado como um dos recursos naturais mais renováveis de toda a Ásia, Myanmar conta com mais espécies do que qualquer outro país, se exceptuarmos a China. A título de exemplo: uma só plantação de bambu na província de Rakhine ocupa uma extensão de sete mil 770 quilómetros quadrados. Para além dos produtos já mencionados, abunda ainda a cana-de-açúcar e o rotim.
Com uma área florestal que cobre 43 por cento da superfície total do País, Myanmar situa-se no 33.º lugar entre os cem países mais arborizados. Outros 31 por cento do território suportam floresta secundária, a maior parte dela sujeita ao sistema de cultivo de “corte e queima”. Para além disso, Myanmar detém 75 por cento das reservas mundiais de tectona grandis, mais conhecida entre nós como madeira de teca. Os birmaneses chamam-lhe kyun. Esta densa, duradoira e cara madeira constitui uma das mais importantes exportações deste país. O mercado consumidor situa-se sobretudo – por ordem decrescente – em Hong Kong, Singapura, Tailândia, Índia e no Japão.
À semelhança da flora, a variedade da fauna em Myanmar está intimamente ligada às diferenças geográficas e climatéricas do País. Aves residentes ou migratórias são mais de um milhar de espécies. Os cursos fluviais costeiros ou do interior do delta e do sul da península constituem ainda o mais importante habitat para a grande família asiática de aves aquáticas.
Entre mamíferos de renome, ou daqueles menos conhecidos e com designações mais exóticas – que sobrevivem em zonas de floresta mais densa – contam-se leopardos, gatos selvagens, mangustos indianos, mangustos “comedores de caranguejo”, ursos dos Himalaias, ursos negros asiáticos, “ursos do sol” malaios, gauros (bisontes indianos), bantengues (bois selvagens), serows (cabras montanhesas asiáticas), javalis, “veados ladradores”, tapirus, pangolins, gibões, macacos, golfinhos e dugongos.
Estima-se que nas florestas primárias habitem apenas algumas centenas de tigres (na década de 1990 eram dois mil), mesmo assim muitos mais do que na vizinha Tailândia. Cerca de dois mil elefantes asiáticos – aproximadamente um terço dos elefantes que existem no planeta – estão distribuídos um pouco por todo o Myanmar. Entre eles, de destacar os seis mil paquidermes que compõem o maior contingente do mundo de elefantes laboreiros. Na sua grande parte utilizados na agricultura e no transporte dos toros de árvores abatidas. Na província de Kayin, junto à fronteira tailandesa, sobrevivem – pressupõe-se – em número reduzido, o rinoceronte “javan” (de um só corno) e o rinoceronte “sumatran” (de dois cornos). O raríssimo panda vermelho (ou urso-gato) foi avistado pela última vez no princípio dos anos 60, mas é provável que viva ainda nas florestas do Estado de Kachin, acima dos dois mil metros de altitude.
POLÍTICA AMBIENTAL
Myanmar orgulha-se de possuir três parques nacionais e dezassete santuários de vida selvagem (incluindo dois parques marinhos e três regiões pantanosas) embora, na sua totalidade, apenas 5,6 por cento da superfície da nação se encontre protegida. Em termos internacionais esta é uma cifra bastante baixa. Comparativamente, a Tailândia considera “área protegida” doze por cento da sua superfície. Para equilibrar as coisas, contudo, os governantes birmaneses prometem cobrir com medidas legislativas protectoras uma ainda maior superfície do País.
Actualmente, a desflorestação provocada pela indústria madeireira constitui a maior ameaça aos habitats de vida selvagem. A empresa estatal (MTE) é responsável pela maior parte do abate de árvores que se processa no interior do País. A teca e a cerejeira (padauk) são as árvores mais procuradas. Por conseguinte, as mais valiosas. Aparentemente a política desta companhia obedece a um sistema sustentado de “abate selectivo”. Mas o Governo quer ir ainda mais longe na sua “política proteccionista”: advoga a completa eliminação, a curto prazo, da exportação de árvores de grande porte, propondo como medida compensatória que se obtenha divisas com a exportação de madeira processada. Caso este plano governamental venha a ser posto em prática, o abate de árvores em Myanmar poderá diminuir significativamente. Infelizmente, nas áreas do País sob controlo de exércitos rebeldes – nomeadamente nas províncias de Arakan e Kayin – a destruição da floresta continua a processar-se impunemente. É dessas áreas – e não propriamente da acção do MTE – que sai a maior parte da madeira contrabandeada para os países vizinhos, sobretudo a Tailândia.
Por seu lado, as espécies animais de Myanmar vêm-se ameaçadas pela caça indiscriminada. Mesmo nos ditos santuários de vida selvagem impera a lei do gatilho. A corrupção e a falta de meios humanos fazem que a legislação protectora do meio-ambiente não passe do papel. Enquanto muitos dos animais são caçados para comida, os tigres e rinocerontes são exterminados em nome do lucrativo mercado farmacêutico fomentado pelos chineses ultramarinos. Entre esse povo, como é sabido, acredita-se que a ingestão de poções à base de pénis e osso de tigre tem efeitos curativos surpreendentes. Taipé, onde pelo menos dois terços das farmácias lidam com partes do corpo do felino (malgrado a interdição desse comércio pelas leis do País), continua a ser o centro mundial para o consumo deste animal ameaçado de extinção.
Quanto aos recursos marinhos, encontram-se ameaçados por falta de objectivos e medidas preteccionistas a longo termo. Até ao momento, graças à falta de industrialização de Myanmar, os rios e zonas costeiras do País têm sido poupados. Raras são as descargas poluentes ali efectuadas. No entanto, a pesca excessiva – especialmente na região dos deltas – e as incursões abusivas de pesqueiros malaios e tailandeses nas águas territoriais do País continuam a ser sérios problemas por resolver.
Joaquim Magalhães de Castro