Integração subtil?
Ler a imprensa diária é um exercício deveras interessante. O Business Daily noticiava, na passada segunda-feira, que os residentes de Macau aproveitaram os feriados da Semana Dourada para verem casas em Zhuhai. O entusiasmo aconteceu na sequência da recente alteração ao regulamento que vem facilitar a aquisição de propriedades na cidade vizinha pelos não-residentes.
Beneficiando desta nova medida introduzida pelas autoridades do sector habitacional de Zhuhai, os residentes da RAEM vão poder adquirir habitação própria, entre três e cinco vezes mais barata do que os preços que são praticados no lado de cá da fronteira.
Segundo acrescentava o diário em Inglês, alguns agentes imobiliários de Zhuhai recebem «habitualmente dois ramos de clientes que visitam propriedades por dia; [e] durante os feriados da Semana Dourada houve mais do que sete ou oito grupos por dia, primeiramente de Macau».
De acordo com o Jornal Tribuna de Macau, os «dados estatísticos oficiais indicam que o número de transacções de fracções habitacionais caiu 34,2%, para 5.443 nos primeiros oito meses do corrente ano, comparativamente às 8.274 vendidas em igual período de 2013», contrapondo que «o preço médio por metro quadrado aumentou 23,4% para 100.896 dólares de Hong Kong».
A “breaking news”(notícia de última hora) da “newsletter” do Business Daily referia que as seis operadoras de casinos tiveram, no mês passado, receitas na ordem dos 25.6 biliões de patacas, ou seja, menos 11.7 % do que no período homologo de 2013.
É um facto indubitável que a escalada de preços no mercado imobiliário tem sido acompanhada pelas constantes subidas das receitas brutas do Jogo, mas a diminuição dos valores praticados pelo mercado da habitação não tem acompanhado o abrandamento do principal motor da economia local. Daí pensar-se num mercado artificial promovido por especuladores imobiliários ávidos de lucro fácil, e não só…
Depois do Governo ter assumido que a ilha da Montanha, arrendada por Zhuhai por um período de quarenta anos, também vai estar disponível para a habitação e que cerca de 30% das agências imobiliárias de Macau poderão fechar portas no prazo máximo de quatro anos, fruto da quebra do número de transacções de imóveis no território, começa a haver sinais mais do que evidentes que a valorização artificial do imobiliário local passou a favorecer um propósito muito bem definido.
A ideia ganha sustentabilidade se tivermos em consideração que as medidas para combater a especulação implementadas pelo Governo em alguns casos não foram adequadas, noutros teve um efeito contrário, enquanto noutros optou-se pela passividade, em vezes de se ter intervido no mercado.
Convém também não esquecer que a política “um país, dois sistemas” é indispensável para além de 2049, devido à questão de Taiwan – suponho que não estará resolvida tão cedo – o que poderá indicar a continuidade, ainda que com algumas alterações, do estatuto vigente em Macau. Sobre a artificialidade do mercado imobiliário, terá sido uma mera casualidade ou será que foi intencional?
Podem chamar-lhe lei da oferta e da procura, mas é facto assente que os preços elevados em Macau vão levar a que uma considerável parte da população da classe média, ilegível ou que não pretenda adquirir habitação pública, procure casa no outro lado das Portas do Cerco.
Na RAEM ficarão os mais abastados, maioritariamente pró-Pequim, alguma classe baixa e média, bem como uma crescente população flutuante constituída por não-residentes.
Havendo a deslocação de residentes, sempre facilitada pela abertura permanente das fronteiras, irá muito naturalmente acontecer a aculturação de quem for viver para a cidade vizinha, o que em certa medida só vai favorecer a sinicização, sendo esta uma maneira de melhor harmonizar a “Grande China”. Será também por causa desta sinicização que o sufrágio universal directo terá mais dificuldade em avançar em Macau…
Mais pela China
O continuado abrandamento da indústria do Jogo deve ser visto como um sinal positivo de ajustamento da economia local, e não como algo de preocupante que ponha em pânico as pessoas, os investidores e os decisores políticos. Por muito que a RAEM seja a galinha dos ovos de ouro para as operadoras de Jogo, para o Governo e, por arrasto, para os negócios e pessoas que gravitam à volta dos casinos, é por demais evidente que seria bastante contraproducente se as receitas brutas continuassem a crescer por muito mais tempo nas estatísticas mensais, semestrais ou anuais.
O mérito é por mim atribuído ao Poder Central, dada a política de combate à corrupção, sem esquecer a restrição dos vistos individuais para cidadãos do continente que desejam entrar em Macau. Convém depois lembrar que foi a Imprensa estrangeira quem denunciou em primeira mão os esquemas fraudulentos verificados na zona fronteiriça entre Macau e Zhuhai, assim como a utilização abusiva do “Union Pay”, que permitiam em ambos os casos a fuga de divisas do interior da China para apostas nos casinos.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA