Não ao sufrágio indirecto
Nos últimos dias houve dois assuntos que prenderam a minha atenção: o chumbo da reforma política pelo Conselho Legislativo (LegCo) de Hong Kong e a entrevista do deputado Chan Chak Mo, no passado dia 10 de Junho, ao Ponto Final.
No primeiro caso, quando tudo fazia prever que iria decorrer com normalidade a votação no LegCo sobre a lei da reforma eleitoral, apresentada pelo Governo de Hong Kong e apoiada por Pequim, eis que houve um inesperado golpe de teatro, com a saída de 31 deputados pró-Pequim do plenário, momentos antes de expressarem a sua tendência de voto, para supostamente inviabilizar o quórum e dar tempo a um colega da mesma ala de votar, pois estava atrasado. E não voltaram.
Apesar desta insólita manobra a roçar o ridículo, houve quórum e a proposta de lei acabou por ser rejeitada, com 28 votos contra e oito a favor. Para ser aprovada necessitava de 47 votos a favor.
Tem havido muita especulação sobre as razões de todo este imbróglio. Mera incompetência? Esperteza das oligarquias? Desafio à “mão” de Pequim, até mesmo pelos alinhados?
Em termos práticos, há três ilações a tirar: 1 – Pequim foi a grande beneficiada, porque não houve qualquer reforma do sistema político, mantendo-se a eleição do Chefe do Executivo de 2017 limitada a mil e 200 pessoas. 2 – Os empresários e as oligarquias de Hong Kong continuam a ditar as regras numa sociedade onde cada vez mais se acentua o fosso entre ricos e pobres. 3 – Por ironia do destino, a ala pró-democrata do LegCo fez um grande favor a Pequim.
Quanto à entrevista de Chan Chak Mo, é de elogiar a sua posição, ao assumir ser verdade a crítica de Pereira Coutinho, quando afirmou que os deputados tomam as suas decisões na Assembleia Legislativa de Macau de acordo com os seus interesses económicos: «No meu caso, represento um sector, eu falo por eles, é claro que eu falo pelos meus. Isso acontece em todos os lugares [sic]».
Chan Chak Mo tocou num ponto essencial, o da representatividade no Hemiciclo, porque ao ser dominado por empresários, maioritariamente eleitos pelo sufrágio indirecto, percebe-se que a voz da sociedade está a ser substituída pela voz dos negócios, com as devidas implicações na vida das pessoas.
Embora seja importante a representatividade empresarial, também é certo que a AL não pode estar refém deste sector, sob pena de perigar a tão desejada harmonia social. Há que mudar mentalidades, a começar pela abolição gradual do sufrágio indirecto, em benefício do sufrágio directo, com representatividade predominante, e dos nomeados, que não devem ultrapassar um terço dos deputados.
Os nomeados são bastante necessários para haver um contrabalanço porque, em termos comparativos, até mesmo nos parlamentos das democracias ocidentais há grande representatividade de deputados alinhados com os respectivos Governos (em alguns casos são a maioria).
Apresentado de forma inteligente, o Governo da RAEM poderá ter a maior parte da população do seu lado na consulta pública sobre um hipotético projecto da proposta de lei sobre este tipo de reforma do sistema político, o que poderá depois fazer toda a diferença no seio da AL.
A gradual abolição do sufrágio indirecto não pode criar pânico na comunidade macaense com direito a voto, mas ser entendida como uma soberana oportunidade de afirmação, ao mostrar total apoio a alguém da velha guarda, ou a ela conotada, o que nunca aconteceu após o estabelecimento da RAEM porque Leonel Alves teve sempre o lugar garantido pela via indirecta. Em último caso, há a possibilidade de um macaense ser nomeado pelo Chefe do Executivo.
Quem é quem?
Numa consulta ao sítio da AL verifica-se que, dos catorze deputados eleitos pela via directa, dois são administrativos (Ho Ion Sang e Kwan Tsui Hang), há um desempregado (Ng Kwok Cheong), outro é docente (Au Kam San), quatro exercem a profissão de deputado (Zheng Anting, Melinda Yi, Pereira Coutinho e Chan Meng Kam), uma é gestora (Angela Leong), outra é enfermeira (Wong Kit Cheng), uma é profissional na área dos serviços sociais e comunitários (Song Pek Kei) e um é funcionário público aposentado (Leong Veng Chai).
Frequentaram todos o Ensino Superior, à excepção de Angela Leong, Zheng Anting e Chan Meng Kam (Ensino Secundário), assim como Leong Veng Chai (Ensino Primário).
Dos doze deputados eleitos pela via indirecta, há quatro empresários (Ho Iat Seng, Kou Hoi In, Chan Chak Mo e Cheung Lup Kwan), um dirigente associativo (Lam Heong Sang), um auditor de contas (Chui Sai Cheong), um advogado (Leonel Alves), um engenheiro civil (Chui Sai Peng), uma docente (Chan Hong), um administrador (Cheang Chi Keong), um médico (Chan Iek Lap) e uma administrativa (Lei Cheng I). Apenas Cheung Lup Kwan ficou pelo Ensino Secundário.
Dos sete deputados nomeados pelo Chefe do Executivo, Fong Chi Keong e Lau Veng Seng não revelam a sua profissão, mas pelo currículo dos dois depreende-se que se trata de um empresário e de um administrador, respectivamente.
Tsui Wai Kwan e Siu Chi Wai são empresários, enquanto Ma Chi Seng é gestor de empresas, Vong Hin Fai é advogado e Gabriel Tong é docente universitário na área do Direito. Todos têm formação académica, exceptuando Fong Chi Keong e Tsui Wai Kwan (Ensino Secundário).
Feitas as contas, entre 33 deputados, encontram-se seis empresários assumidos, embora o número seja enganador porque, na prática, há pelo menos mais oito com “costela” empresarial: Zheng Anting, Chan Meng Kam, Angela Leong, Fong Chi Keong, Cheung Lup Kwan, Lau Veng Seng, Ma Chi Seng e Chui Sai Peng.
Também se depreende que o “canudo” não é tudo na vida, a julgar pelas interpelações com valor de Leong Veng Chai. Ou do poder alcançado no mundo dos negócios por Angela Leong, Chan Meng Kam, Cheung Lup Kwan e Fong Chi Keong.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA