Fardos (bem) pesados
Está a ser cada vez mais frequente o desabamento parcial de fachadas de edifícios classificados como património cultural. Na semana passada causou alguma apreensão a queda de parte de uma parede de tijolos, numa fachada de um edifício localizado na Travessa de São Domingos. O incidente terá acontecido por volta das 9 horas e 30, ficando o local vedado ao público até ao dia seguinte.
Há dias foram encontrados destroços em frente à fachada de um edifício situado na Rua da Barra, com a queda destes materiais a dever-se à chuva e ao vento que ultimamente têm assolado o território. O local foi vedado por precaução, tendo o Instituto Cultural garantido que o edifício não corria risco de ruir.
Já o templo situado no Largo do Pagode do Bazar está a ser alvo de obras de restauro, após ter sido detectado o mau estado de conservação de uma viga de madeira do pavilhão principal, o que punha em perigo a estrutura do edifício. Felizmente nos três os casos não houve feridos ou vítimas a lamentar. Contudo, temo que o pior possa estar para acontecer.
Na cidade de Macau proliferam estruturas com placas publicitárias nas fachadas dos edifícios, algumas de grande porte. Existem também na Taipa, embora em menor número. Quem andar pela cidade nota que algumas estruturas acusam a ferrugem de muito anos, ou talvez décadas, não sendo de estranhar se uma ou outra até já tiver o destino traçado.
Sabendo de antemão que as condições atmosféricas (frio, calor, chuva, vento, tufões) contribuem para a deterioração das referidas estruturas, temo que qualquer dia alguma placa publicitária caia inesperadamente no chão fora do tempo da passagem de um tufão. Tudo estaria bem se não transitassem por baixo dezenas, centenas ou milhares de pessoas por dia.
Desafios culturais
Numa visita à 56ª Bienal de Veneza o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, afirmou que «tornar Macau numa capital cultural é pedra basilar para a edificação da RAEM enquanto Centro Internacional de Turismo e Lazer». Entre outros considerandos, também disse que Macau, tal como Veneza, é «uma cidade turística com uma história cultural muito rica com características próprias».
Não tenho qualquer tipo de dúvida que Macau pode ser uma grande capital cultural na Ásia, bastando para isso trazer as melhores orquestras, os melhores pintores e os melhores escritores do mundo, entre outros que tais, porque é sobejamente reconhecida a capacidade do território para organizar eventos de nível mundial.
O grande problema é a população em geral estar dissociada da cultura, até porque quem é de Macau tem muita dificuldade em singrar no meio por falta de oportunidades, seja porque muitas vezes se dá primazia a quem vem de Hong Kong, seja porque o que vem do estrangeiro é que é bom. O grande desafio de Alexis Tam será reverter esta tendência.
Outro desafio é o que fazer do Fundo de Indústrias Culturais (FIC), porque a atribuição de subsídios devia estar a cargo da Fundação Macau, presidida por Wu Zhiliang, enquanto muitas outras atribuições constantes do FIC deviam estar sob a supervisão directa de Alexis Tam (o FIC foi constituído em 2013 mediante regulamento administrativo, em data anterior à sua tomada de posse como secretário). A bem da transparência, o Fundo devia ser extinto de modo a evitar futuras trapalhadas.
Percepções
Quem vem de fora geralmente tem tendência para considerar Macau um paraíso, visto fazer a ponte entre o Oriente e o Ocidente há mais de 400 anos.
Alguns visitantes pensarão que o antigo território chinês sob administração portuguesa soube reinventar-se ao longo dos séculos, a ponto de se tornar agora num importante local de turismo e lazer na Ásia. Um dos “ex libris” será o Centro Histórico de Macau, classificado como Património Mundial da Humanidade em 2005. Já para não falar dos casinos ou da gastronomia típica.
Há depois a população, que até poderá tecer cobras e lagartos sobre os mesmos assuntos. À partida parece um grande contra-senso, mas facilmente se percebe – seja aqui ou em qualquer parte do mundo – que quem é da “casa” conhece melhor os problemas da sociedade onde está inserida. Daí ter um sentido de crítica mais apurado.
Já quem vem de fora, quiçá atraído pelo que conhece de onde é originário, inclina-se a olhar para as novidades de maneira mais cândida. Por vezes, até oferece pontos de vista inesperados, ou interessantes, o que não lhes tira qualquer mérito nas suas apreciações.
Foi assim na reportagem efectuada nesta edição com Andrew Pereira e Shannon D’Cruz. Aliás, à imagem do que transmiti ao leitor sobre o que vi e senti quando visitei Malaca, em Dezembro do ano passado. Certamente, também os malaqueiros teriam pontos de vista bastante diferentes sobre o seu património cultural.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA