Obrigado amigos de Macau

A nossa casa flutuante está de volta à água depois de ter passado quase três semanas em doca seca sob intensos trabalhos de manutenção. Foram, na verdade, quinze dias de trabalho desde o nascer ao pôr-do-Sol.

Começámos por proceder à remoção de toda a cobertura do casco que fica debaixo de água – um trabalho sujo, cansativo e muito prejudicial para a saúde, apesar de todo o equipamento de protecção. Como tive de fazer todo o trabalho sozinho demorei um pouco mais do que esperava e encontrei problemas inesperados que nos fizeram gastar mais dinheiro e mais dias do que estava inicialmente previsto. Devido à falta de zelo do pessoal da doca houve um problema de delaminação da fibra-de-vidro do casco, que teve de ser reparado e que veio colocar a nu um problema na camada interior. Perante tal situação optei por remover tudo até à camada interior da fibra-de-vidro e refazer o casco numa área de cerca de um metro quadrado. Só esta operação levou cinco dias, com ajuda de um amigo espanhol. Cinco dias em que não foi possível proceder a outros trabalhos devido ao pó. No entanto, no dia 19 de Agosto estávamos prontos para entrar na água com o casco pintado de novo para mais dois anos de navegação. Esperamos que a próxima saída de água seja já em terras do antigo Sião, desse lado do mundo!

Terminados os trabalhos de manutenção do casco e uma vez na água não houve sequer tempo para ficarmos ancorados na baía de Tyrrel, na ilha de Carriacou. Rumámos, no mesmo dia, à ilha de Grenada, onde a NaE tinha o voo que a levou a Macau no dia 23. Por entremeio comemorou-se o meu aniversário com os amigos do veleiro Gentileza e do catamaran El Caracol. Mais um ano a bordo a viver a vida que escolhemos e da qual nunca nos arrependemos apesar das privações por que passamos em certas alturas por falta de apoios oficiais.

A privação mais forte tem sido a ausência da cara metade que me acompanha há vários anos e que completa a minha vida. A NaE regressou a Macau e só se irá juntar a nós em Dezembro, quando já estivermos no Panamá a aguardar a passagem para o lado do Oceano Pacífico. Vão ser vários meses complicados e que fazem parte desta vida embarcada, mas que passarão e que nos virão fortalecer ainda mais como família.

Felizmente temos bons amigos em Macau e ela tem sido muito bem recebida. Quero aqui deixar o meu sincero obrigado, desde já, à Dulce e ao Lisboa pela pronta disponibilidade de alojamento, assim como à Annie que lhe irá dar guarida na última parte da estada em território macaense, e ao Marco Policarpo por a ter empregado a tempo parcial nos seus estabelecimentos de comida. É que a NaE queria, além do trabalho que vai ter na Escola de Formação Turística à noite, e que foi a razão de ter regressado a Macau, ter uma ocupação durante o dia para que não tivesse muito tempo livre e assim passasse o tempo mais depressa. O meu sentido obrigado a todos vós e a todos os outros amigos que têm tido a amabilidade de a contactar, fazendo-a sentir-se bem-vinda na sua terra adoptiva. É bom ter amigos com quem se pode contar depois de uma ausência prolongada.

De regresso à vida à tona da água, estamos ancorados quase no mesmo local onde estivemos antes de procedermos às reparações no barco. Nos últimos dias temos estado sob a influência da tempestade tropical Erika que, apesar de ter passado bem longe daqui, se fez sentir com chuva, tempo carregado e uma ondulação bastante incómoda, especialmente durante a noite. A tempestade causou a morte a mais de vinte pessoas na paradisíaca ilha de Dominica, onde já estivemos por duas vezes.

Quando fizemos a travessia da ilha de Carriacou para Grenada deparámos com um problema na bomba do hidráulico do piloto automático que, depois de uma troca de óleo e substituição de umas braçadeiras, parece estar outra vez normal. Antes do último veredicto ainda quero levantar âncora e experimentá-lo em mar aberto, fazendo umas manobras bruscas para ver se responde como deve ser. É que o problema surgiu aquando de uma mensagem de erro entre a resposta do leme e a ordem do piloto automático.

Também já resolvemos outro dos assuntos pendentes, nomeadamente o funcionamento do gerador eléctrico a diesel. Nunca trabalhou na sua plenitude. Foi possível identificar algumas fugas no sistema de refrigeração de água salgada. Vamos agora, quando houver disponibilidade financeira, retirá-lo do seu armário (a máquina pesa quase 200 quilos) e desmontá-lo para substituir os vedantes que devem ser a causa das fugas por não funcionar há muito tempo.

Na lista de prioridades, relacionadas com os meses de navegação que vamos ter pela frente, temos a revisão completa dos enroladores de cabos no poço do veleiro, que nunca foram revistos por nós. Como estão demasiado expostos, sendo constantemente salpicados por água do mar, devem ser abertos, limpos e lubrificados, apesar de não apresentarem qualquer indício de problemas.

Depois de limpar e lubrificar os seis enroladores que temos a bordo, espero ainda ter tempo para reparar um pequeno rasgo na protecção solar da vela da frente e coser melhor o fecho da cobertura da vela principal. Assim como vou ver se encontro tempo para fixar melhor dois dos três painéis solares que temos por cima do poço e que precisam de estar bem seguros no caso de sermos abraçados por uma tempestade.

Pelo meio de tudo isto irei mudar o óleo do motor e os respectivos filtros, verificar o sistema de gasóleo, substituir os filtros que não permitem a entrada de sujidade ou água nos injectores, e substituir os filtros de água do sistema de água doce.

JOÃO SANTOS GOMES

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