CATÓLICOS NÃO DERRUBAM ESTÁTUAS DOS SEUS DETRACTORES
Apesar de muitas e grandes infidelidades, individuais e colectivas, a tradição católica marcou positivamente amplos espaços da cultura em alguns países. Portugal é um exemplo.
Apesar da corrupção bastante generalizada entre nós, sobretudo a nível governamental, apesar do costume de atrasar os pagamentos e de faltar aos compromissos assumidos, encontramos algumas características praticamente exclusivas de ambientes católicos.
Fora desta cultura, o vandalismo que destrói monumentos é prática generalizada. Os talibãs dinamitam os Budas de Bamiyan, o Estado Islâmico destrói Palmira e o museu de Mosul, em qualquer país as estátuas dos líderes depostos não costumam durar muito no seu sítio e nestes dias muitas estátuas foram destruídas ou ameaçadas, na sequência da morte de George Floyd nos Estados Unidos.
É este o padrão. A excepção são as culturas de inspiração católica.
A Roma dos Papas continua cheia de colunas comemorativas, de arcos triunfais, de padrões a celebrar os perseguidores mais ímpios da Igreja Católica. Estes monumentos conservam-se porque os Papas se preocuparam por os proteger, mesmo os de quem matou mais cristãos.
Em Lisboa, o Marquês de Pombal, que tanto mal fez à Igreja, continua a dominar a cidade do alto do seu pódio monumental e as ruas que confluem nessa praça continuam a ter os nomes de Joaquim António de Aguiar (que ficou na história com o nome de “mata-frades”), do seu colega Fontes Pereira de Melo, do Duque de Palmela, do Duque de Loulé… e, à volta, bairros inteiros ostentam nas suas ruas os nomes de maçons com diversos níveis de aversão à Igreja. Tirando os católicos, quem é que suportaria pacificamente estas homenagens aos seus perseguidores?
Até em Portugal, mal o regime anterior caiu, caíram as placas que o poderiam evocar. Até nomes de indivíduos praticamente desconhecidos foram apagados (até um tal Sinel de Cordes, nas traseiras do Técnico…). Nenhum busto de Salazar resistiu à purga, mesmo alguns que tinham especial qualidade escultórica, e, meio século depois da sua morte, ainda há alarme se alguém o recorda, mesmo que não seja para expressar apoio.
Para quem não é católico, é óbvio que os opositores devem ser apeados de todos os pedestais, artísticos ou não. O direito de vandalizar e derrubar estátuas nem precisa de demonstração, dispensa até a coerência lógica. O escritor Jaime Nogueira Pinto queixa-se no Observador(26-VI-2020) de que esta espécie de guerra civil iniciada nos Estados Unidos depois da morte de George Floyd, “além de violenta e revolucionária, parece ser completamente imbecil na escolha de alguns dos seus alvos: porque se se pode ainda entender a sua fúria contra os generais sulistas (…), como perceber a vandalização dos monumentos a Lincoln, o grande libertador dos negros na Guerra Civil, ou a Grant, que foi o comandante militar que venceu o Sul? E Andrew Jackson, que foi um populista e guerreou os mexicanos? E Colombo (…) que destruiu ‘civilizações’ que eram monarquias teocráticas, esclavagistas, que faziam sacrifícios humanos aos seus deuses, ou tribos que praticavam a antropofagia… E porquê perseguir um missionário, canonizado pelo Papa Francisco? Esta gente é perigosamente lunática, não se sabe se por estupidez, se por puro e maldoso fanatismo”.
Não vale a pena discutir história, nem interessa discutir se Lee, Grant, Lincoln, Jefferson Davis, ou outros foram exemplo de virtude, porque podem ter tido alguma fraqueza que a história não registou.
O que falta aos vingadores de estátuas é o olhar bondoso que as culturas católicas aprenderam de Cristo. Mesmo quem se portou mal merece uma oração para que Deus o perdoe. E o artista que retratou com feições heroicas um horrível bandido merece um elogio pela obra que deixou.
Encontro por Lisboa e noutras cidades do País ruas com os nomes de Lenine, de Álvaro Cunhal, de Fidel Castro, do “mata-frades”, do Marquês, de tantos outros… mais do que homenagem a gente manchada de sangue, parecem-me um hino de glória a uma cultura tão especial que olha com simpatia todos os seres humanos e encontra qualidade artística nas estátuas dos seus perseguidores. Talvez este olhar de bondade, tão pouco frequente no resto do mundo, nos salve, aos olhos de Deus, de muitas infidelidades, individuais e colectivas.
José Maria C.S. André
Professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa