Humor e morte
No Dia de Natal, a Porta Santa foi aberta na Basílica de São Pedro, em Roma, dando início a um Jubileu que durará até ao final de 2025. Será o grande tema do ano! O início de uma nova etapa da Igreja e do mundo.
No dia 14 de Janeiro foi lançado um livro do Papa em diálogo com Carlo Musso, que trouxe algumas novidades interessantes.
O New York Times pré-publicou uma página, intitulando-a “There is Faith in Humor” (“Há Fé no Humor”). Nesse texto, o Papa contrapõe a atitude do funcionário com a do pastor, a soberba amargurada e triste com a alegria. No fundo, diz ele, para os padres, o sentido de humor manifesta a felicidade de “estar casados com a Igreja”, em contraste com o viver como “solteirões”. Isso aplica-se também aos Papas e Francisco dá exemplos.
Um dia, João XXIII disse mais ou menos isto, num discurso: «Muitas vezes, à noite, penso numa série de problemas graves. Então, tomo a decisão, valente e determinada, de ir falar com o Papa na manhã seguinte. Nessa altura, desperto a transpirar… e lembro-me de que o Papa sou eu».
João Paulo II também tinha saídas divertidas. Quando ainda era cardeal, um outro cardeal, mais velho e bastante severo, repreendeu-o por esquiar, escalar montanhas e praticar ciclismo e natação. O futuro Papa respondeu: «Mas sabe que, na Polónia, pelo menos cinquenta por cento dos cardeais praticam esses desportos?». (Nessa época, só havia dois cardeais na Polónia…).
A propósito das anedotas acerca dos jesuítas, Francisco fala da capacidade de se rir de si próprio. Conta que um jesuíta vaidoso, com uma doença grave, perguntou a Deus se estava a ponto de morrer, mas Deus disse-lhe que viveria pelo menos mais quarenta anos. Então, resolveu fazer transplantes de cabelo e várias operações de cirurgia estética, para ficar como novo. Logo à saída do hospital foi atropelado e morreu. Protestou: «Senhor, dissestes-me que ia viver mais quarenta anos!». «Ah, desculpa! – respondeu Deus – não te reconheci».
Alguém contou ao actual Papa uma anedota durante a sua viagem aos Estados Unidos. No aeroporto de Nova Iorque havia um automóvel espampanante à espera do Papa. Primeiro, este começou por se sentir envergonhado, mas depois pensou que há muitos anos que não tinha o gosto de conduzir e que nunca tinha guiado um carro daquela categoria. Era uma oportunidade única! O motorista não queria passar-lhe o volante, em nome do regulamento, mas Francisco teimou e conseguiu. O Papa ao comando, com o motorista ao lado, lança-se em excesso de velocidade pela auto-estrada fora, até que se ouve uma sirene e a polícia manda-os parar. O polícia fica lívido quando reconhece o condutor. «Desculpe, um momento», e telefona para o quartel-general: «Chefe, tenho um problema, parei um automóvel em excesso de velocidade que leva um sujeito muito importante». «Assim tão importante? É o Presidente da Câmara?». «Não, não, chefe… acima disso». «O Governador do Estado?». «Não, não, mais…». «O Presidente da República?». «Acho que está acima». «Como pode ser mais importante que o Presidente da República!?». «Chefe, não sei dizer quem é, o que vejo é que o motorista dele é o Papa!».
O Evangelho diz-nos para nos fazermos crianças e Francisco diz que são elas e os anciãos que mais o emocionam nas audiências. Os anciãos porque abençoam a vida, porque põem de lado todo o ressentimento. Têm o dom do riso e das lágrimas, como as crianças. Em geral, quando levanta uma criança nos braços, ela sorri; mas alguma confunde-o talvez com um médico de bata branca, que vai dar uma injecção, e chora. São exemplos, diz o Papa, de espontaneidade, de humanidade, que nos recordam que quem renuncia à sua própria humanidade renuncia a tudo. Quando é difícil chorar a sério, ou rir com gosto, as coisas vão mal. Os adultos anestesiados não fazem nada de bom para si, nem para a sociedade, nem para a Igreja.
O livro tem muito mais que a página publicada pelo New York Times. Por exemplo, conta que houve duas tentativas de assassinar o Papa durante a viagem ao Iraque, em 2021, que o plano foi descoberto a tempo e os assassinos morreram em tiroteio com a polícia.
Um condensado de experiência de vida, de tristeza e humor. E de esperança, que é o tema do Jubileu. Que bem precisamos de esperança, para ver além do fragor das actuais guerras.
(*) Docente do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa