O Nosso Tempo

A Igreja num tempo que sangra.

Que civilização afinal nos deixaram? Ouço já a voz dos nossos filhos e netos, juízes que serão do modo como estamos a desrespeitar de forma insultuosa o futuro – o seu presente.

E nunca o futuro esteve tão ameaçado, por causas conjugadas que não nos cansamos de inventariar, mas para as quais não parecem existir respostas globais concertadas. Pela nossa voracidade colectiva, no abuso dos recursos naturais. Pela acumulação desvairada dos meios de destruição massiva, toda a gente invocando razões de segurança nacional, num mundo cada vez mais inseguro.

Mais: por um modelo económico global que multiplica as desigualdades. E por uma consciência tardia de que o nosso planeta é frágil, é vulnerável, e tem afinal, simbolicamente, a consistência de uma finíssima casca de ovo… – vendo-se isso, de forma bastante real, aliás, na assustadora diminuição da camada de ozono – que nos expõe directamente aos efeitos dos raios solares.

E ainda mais: pelo individualismo triunfante (sobretudo na Europa, mas hoje pelo mundo fora ), um individualismo erigido em valor absoluto, sem consideração pelas necessidades e exigências de natureza colectiva, social ou comunitária. E reagindo e afrontando barreiras sociais consideradas obsoletas. E muitas o serão, naturalmente.

É este o nosso tempo. Um tempo que sangra. Na Europa, por exemplo, enquanto o Papa alerta para os deveres de solidariedade humana a mais básica, para com a triste sorte dos refugiados, na Hungria o “nacionalista” Viktor Orban manda o Parlamento (manda: é o termo) criminalizar todos os actos de ajuda a esses infelizes, gestos que sejam interpretados como susceptíveis de os encorajar a ficar.

E num grande número de países membros da União Europeia a imigração não é apenas tema de debate social, é antes uma questão quente, manipulada pela extrema direita, na sua conquista de votos e do poder. Vamos a ver o que vai acontecer na Itália… e na Eslovénia, etc. etc…

 

A Igreja e os debates do presente

Mas onde está a Igreja em todo esse debate? A Igreja está, tem que estar, em toda a parte. Para ajudar a formar consciências, em questões não puramente políticas ou economicistas em sentido estrito, mas éticas, tendo a ver com a pessoa humana. E as questões que entram neste rol são muitas. Exemplos mais recentes?

Na Irlanda e em Portugal, há pouco mais de duas semanas, os cidadãos foram às urnas, através de um referendo e de um voto parlamentar, respectivamente, para deliberarem sobre duas questões fundamentais de sociedade: o aborto e a eutanásia. Ambas se centram no conceito que hoje se tem, maioritariamente, sobre a vida humana. A vida do feto que está a ser gerado; e a vida já vivida e, na maior parte das situações, no seu ocaso. Mas trata-se da mesma vida, no seu valor intrínseco. De quem ainda não nasceu. E de quem aspira eventualmente, por razões humanas compreensíveis, a encetar uma dolorosa viagem, sem retorno.

Os resultados das duas deliberações são conhecidos. A interrupção voluntária da gravidez passa a ser legal na Irlanda, dentro de certas condições, e a eutanásia foi recusada em Portugal, por uma pequeníssima margem de votos, a traduzir o afastamento da sociedade portuguesa da sua matriz cristã católica. Como na Irlanda, aliás.

A Igreja Católica tem, de facto, posições muito definidas sobre ambas as matérias. Mas num quadro democrático, não pode impor tal posição. Só a pode propor às consciências de “boa vontade”. E é o que faz, como é óbvio.

 

O Papa e as questões ambientais

Ainda noutra “frente” do combate por um futuro de sobrevivência sustentável, o Vaticano acolhe um encontro entre os mais altos responsáveis das companhias petrolíferas mundiais que foram ali debater a evolução das fontes de energia, de modo a conseguir os objectivos do Acordo de Paris sobre Alterações Climáticas.

Na encíclica “Laudato Si”, de 2015 sobre a “protecção da nossa casa comum”, o Papa Francisco defendeu uma mudança de estilo de vida nos países ricos, mergulhados numa cultura de consumo “descartável”. E o fim de atitudes que antepõem o lucro a considerações de bem comum.

Em várias passagens da encíclica de seis capítulos, Francisco confrontou frontalmente os que duvidam da mudança climática e aqueles que dizem que isso não é feito pelo homem.

O Papa disse que há um “consenso científico muito sólido” de que a temperatura do planeta está a aumentar, como resultado da actividade humana.

O Papa Francisco pediu políticas para reduzir drasticamente os gases poluentes, dizendo que a tecnologia baseada em combustíveis fósseis “precisa ser progressivamente substituída, sem demora” e fontes de energia renovável desenvolvidas.

No ano passado, Francisco, que apoiou fortemente o acordo de Paris sobre a mudança climática, criticou implicitamente os Estados Unidos por se retirarem do acordo.

Em várias questões internacionais estará aliás o Vaticano hoje em desacordo com Washington… sobre Jerusalém, por exemplo.

 

Balada de uma nota só…

E nota discordante, mas pela positiva, para melhor…

O Vaticano celebrou com o reino saudita, não há muito tempo, um acordo em que as autoridades de Riade autorizam expressamente a construção de igrejas na terra santa do Islão, consagrando assim a ultrapassagem do notório desequilíbrio histórico, de a religião muçulmana ver garantido o direito à inteira liberdade religiosa em muitos países (Europa, por exemplo) e a monarquia saudita não permitir a situação inversa.

Está feito o acordo!

Carlos Frota 

Universidade de São José

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