O Nosso Tempo

Quem pode contar as estrelas?

Uns vivem só o presente, acreditando na estrita realidade do coração que pulsa, enquanto pulsa. A morte? É o sono de que não se desperta, a noite sem dia seguinte. Outros apostam na Ciência e acreditam que um dia poderemos contar as estrelas. Todas.

Depois há os falsos profetas. Jesus alertou os seus contemporâneos, e as gerações futuras, para o perigo dos falsos profetas. Que são todos aqueles que, convictos de (ou fingindo) serem detentores de uma Iluminação ou Intuição especial, se consideram habilitados a reinterpretar o mundo e, mais fundamental ainda, as realidades essenciais da vida e da morte.

Mesclando as experiências de várias religiões, misturando práticas isotéricas na mesma receita de cozinha, ou inventando-se a si próprios o papel de messias de uma nova fé, pululam pelo mundo os vendedores de ilusões porta a porta. Decretam novas verdades, ou vestem de roupagem nova verdades antigas, e aí vão eles, prontos para a batalha do “marketing” das ideias, com estratégias hoje globais de cativar almas ingénuas.

 

O novo Código de Brown

O falso “profeta” que me suscitou a atenção, em tempos mais recentes, é Dan Brown, o autor de vários “best-sellers”, vendidos aos milhões de exemplares e traduzidos em dezenas de línguas, a começar pelo Código Da Vinci.

Qual a razão do meu interesse por mais este guru da sabedoria universal? É que não se contentando em ser escritor, Dan Brown pratica a adivinhação nas horas vagas, e vem defendendo, em conferências que vai dando, mais uma tese da “morte de Deus”, a que pudicamente chama de substituição de Deus.

É, no fundo, o argumento da “desnecessidade” de Deus, tornado obsoleto num próximo futuro, pelo incremento da inteligência artificial. Mas donde vem a Revelação que ilumina o novo profeta? Vem de uma imaginação delirante, por vir praticando há décadas, como autor de sucesso, ficção histórica e científica que finge ser a verdade, perante a crendice de leitores incautos.

Dessa riqueza de ideias (e de dólares), Dan Brown parte para a nova cruzada, a da proclamação de que Deus será substituído e que daqui a cem anos já ninguém acreditará n’Ele.

No que se acreditará afinal, já que é preciso arranjar um substituto social para a religião? Numa espécie de totem, compreendi eu, onde através da inteligência artificial, seja gerada e difundida o que Dan Brown apelida de uma nova consciência colectiva da condição humana. Condição finita, sem sonhos, portanto, de eternidade. Uma espécie de bezerro de ouro, cheio de computadores interligados lá dentro!

É pois (numa outra imagem) uma gaiola inteligente que nos espera. E para o seu aposento único entrarão, para serem igualmente encarceradas, sem dor mas sem glória, a literatura, a poesia, o misticismo, a filosofia. Tudo o que suscita interrogação sobre a vida e a morte. E por isso merece o destino do caixote de lixo, mesmo o digital. Tudo substituído (mais um desenho…) por um gigantesco papagaio mecânico (ou bezerro de ouro, como acima lhe chamo, o formato do animal não importa). Que pensará por nós e de vez em quanto nos dará injecções de uma qualquer mistela, para continuarmos a renunciar à vontade inútil de pensar.

É animador, o profeta Brown! Mas não é original. Foi ainda adolescente que li “O Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley”… E não gostei de me sentir mera peça da engrenagem!

 

As muitas mortes de Deus

Deus “morre” de duas maneiras distintas, no coração dos homens. Ou porque é proclamada a sua “desnecessidade”. Ou, sem que uma determine a outra, porque é assumida na prática a sua “substituição”.

A desnecessidade de Deus resulta de se crer que a Humanidade deixou a infância e entrou definitivamente na idade adulta, em que as sociedades se podem organizar sem recurso ao divino. Divino que não presta já, nem como inspirador de valores, nem da sua tradução prática, que são as regras de convivência social.

A Deusa Razão que, como se sabe, já teve altares na Revolução Francesa, é quem, ciclicamente, mais destrona Deus. Porque a Razão explica tudo, excepto… o que não explica.

Mas a substituição de Deus é operada hoje, mais do que ontem, pelo acesso ao Olimpo de deuses novos: o deus dos supermercados, o deus dos jogos digitais, o deus das roupas de marca, o deus das férias em praias tropicais….

Ora, Deus já “morreu” tantas vezes, na imaginação e nas revoltas dos homens, de todas as épocas, que mais uma ou menos uma morte, para dar jeito à tese do novo profeta Dan Brown, não tem importância nenhuma.

A verdade é que os profetas não podem viver sem Deus, quer para O adorarem, quer para O negarem, assegurando-Lhe nestes casos uma extensão da existência, pelo tempo de cada sermão, de cada prédica, de cada debate ou… “talk show”… Mas Deus é teimoso e vive para além das suas sucessivas “mortes”. É a Sua vingança, a única capaz de se traduzir nesse Seu jeito único de continuar à nossa disposição….

E quanto aos bezerros de ouro, sejam eles os brinquedos das novas tecnologias ou as miragens da ciência, há muito que Deus lhes ditou o destino.

Há sempre alguém à espera de lhes decretar a morte e de os substituir por outros… Quase diria assim que a condenação eterna dos homens – que não só não acreditam em Deus, mas paradoxalmente sentem a necessidade de proclamar a Sua morte a espaços regulares – é o terem o contínuo encargo de substituírem os sucessivos bezerros de ouro.

Se o homem não precisasse de Deus, não se aproximaria d’Ele. Não é meu o argumento, obviamente, é sabedoria vinda da infância da Humanidade. A tal razão aderi há muito, renunciando à tentação, quase adolescente no ser humano, da auto-suficiência racionalista.

Das conversas estudantis de há cinquenta anos, sobre o valor da Ciência como explicação de tudo, retenho o pensamento de que sempre desconfiei dessa crença de que o homem há-de ainda poder contar todas as estrelas do céu….

Vale a pena escamotear a verdade. O homem precisa de Deus. E de tal modo precisa que, na ironia antiga de muitos, foi o homem que criou Deus à sua imagem e semelhança – e não o contrário.

Carlos Frota 

Universidade de São José

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