O Nosso Tempo

Condenados à esperança

O Papa Francisco recebeu há dias, no Vaticano, o corpo diplomático acreditado na Santa Sé, a quem mais uma vez exortou a um trabalho a favor da paz, da segurança e da solidariedade para com os mais vulneráveis.

É naturalmente o reiterar de uma mensagem para Governos distraídos com as realidades fundamentais da condição humana e demasiado obcecados com jogos de poder que lhes garantam “status”, superioridade, capacidade de dominar, sem ter em conta o preço que por isso pagam milhões de pessoas, em todo o mundo.

A guerra na Síria aí está para demonstrar tudo isso. Mas a possibilidade de resolução por fim da questão cipriota, acabando de vez com a divisão entre cipriotas de origem grega dos de origem turca, parece querer exemplificar que a esperança também pode ter lugar.

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E toma hoje posse, exactamente hoje, em Washington, o controverso Donald Trump, como Presidente dos Estados Unidos.

Rios de tinta têm sido gastos para descrever o homem, o seu percurso, as suas ideias – no fundo, a sua visão do mundo – e a forma como a vai traduzir em políticas concretas.

A eleição de Trump inquieta muita gente, como se sabe. Pelas consequências de uma má gestão de situações de conflito existentes e da possibilidade de gerar outros, no seu afã de defender os interesses americanos, em desconsideração dos de outros povos e países.

O próprio papel do sector privado na criação de riqueza e o modo como esta é distribuída ou aplicada para fins de interesse geral está muito em questão, nesta nova administração, pela forma como Trump se guindou ao firmamento dos super-ricos e como vem recrutando para o seu Governo gente de idêntico “background”.

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Com Donald Trump entrou-se de facto numa nova fase. Antigamente, os representantes das multinacionais aguardavam a vez de serem recebidos pelo poder político, nas antecâmaras dos gabinetes, ministeriais ou presidenciais.

Demasiado impacientes para esperarem, decidiram substituir-se eles próprio a Presidentes e ministros, porque na sua lógica ser CEO de país e CEO de empresa é a mesma coisa.

Pois não são os Estados meras empresas – pensam eles – com orçamentos, dívidas e tudo? E as pessoas, o povo, a população? Que se passem a chamar… recursos humanos! E que os Estados declarem mesmo falência, se perderem nos mercados…

Não foi “leit-motiv” da campanha de Trump a peregrina ideia de que quem tem sucesso nos negócios sabe forçosamente governar países?

No país rei da democracia neo-liberal percebe-se melhor por que é que a primeira vítima da nova administração será o serviço nacional de saúde, o chamado Obamacare. É a ditadura das empresas!

Vinte milhões de americanos já cobertos com cuidados mínimos de saúde são um perigo… para a ganância cega do sector privado americano.

 

Do império Trump ao império Exon Mobil…

 

A alta finança conviverá pois, fraternalmente, na Casa Branca, porque ELA SERÁ o poder político. Estará desde logo no gabinete oval, como também, na pessoa de Rex Tillerson, ex-CEO da Exon Mobil, no sétimo andar do Edifício Harry S. Truman, sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros (State Department) em Washington.

Não vale a pena idealizar. As pessoas são o que são e como são. E nenhuma fada transformará magicamente gente habituada a servir grandes, imensos interesses económicos, os seus ou os dos accionistas, em estritos servidores do Estado, numa América onde o deus dinheiro vale o que vale. E mais ainda, a partir de 20 de Janeiro, hoje, sexta-feira.

Esses representantes da alta finança, directa ou indirectamente, servirão também os interesses que os promoveram. Que lhes deram a ribalta, donde agora se projectam, em direcção ao poder e suas tentações.

Isto é importante sublinhar porque, de acordo com uma lógica muito própria, o sucesso da nova política externa americana será principalmente medido pelo sucesso das suas empresas, sobretudo as maiores, como a Exon Mobil.

Mas não é isto verdade hoje em todos os países, por uma questão de sobrevivência e de afirmação, no quadro do chamado capitalismo global?

Tudo depende, diria, de como o poder político se rende ao poder económico e perde completamente a sua autonomia para se confundir com ele, assumindo a protecção exclusiva dos seus interesses e conformando-se às suas prioridades.

 

Trump, Trump & Trump

A extrema vigilância na protecção dos interesses empresariais foi evidente logo no início do debate com os congressistas, quando Rex Tillerson, no processo da sua confirmação, foi interrogado sobre o valor das sanções económicas como instrumento de política externa,. Referiam-se os seus interlocutores à Rússia, naturalmente. Tillerson condicionou a sua aplicação à circunstância de não ferirem também interesses americanos, o que num mundo tão interdependente é impossível.

Como lembrava o democrata Bob Menendez, na sessão, quando há que escolher entre economia e valores, aí é que está o busílis. E quando há que (não) confundir interesse público e interesses privados também, como sugere Walter Schaub, presidente da Comissão de Ética do Governo Americano que critica a forma como Donald Trump transferiu ou fingiu transferir a direcção dos negócios da família para os filhos, Donald Jr e Eric.

Isto é, Trump substituído por… Trump &Trump. Está-se a ver a linha divisória, não está?

 

Falar com Moscovo

 

A poucos dias já da tomada de posse da nova Administração em Washington, o Kremlin denunciou a presença de tropas americanas na Polónia, qualificando-as como uma ameaça à segurança e interesses da Federação Russa.

Será este um dos primeiros testes à chamada solidariedade transatlântica, na nova era Trump, e à própria postura de NATO, no espaço geopolítico para que foi criada.

Será interessante ver que posição terá o novo Presidente em relação aos seus parceiros europeus, e sobretudo que evolução terá a percepção de segurança no Velho Continente, à luz da tão antecipada reaproximação Washington-Moscovo.

 

Que factura?

Que factura a da Europa por tal reaproximação ? Como se fará esta? Que preço está disposto a pagar o novo Governo americano para que a Rússia se tranquilize? Que evolução terá o chamado processo de Minsk que está interrompido, quanto aos problemas da Ucrânia Oriental? Para já não falar da Crimeia, questão que não está encerrada, nem para Kiev, nem para os ocidentais.

Da Grã-Bretanha, entretanto, e contrariando o distanciamento provocado pela ruptura do Brexit, vozes se erguem a favor de uma forte presença da NATO, no contexto de uma Europa incerta, que é hoje uma incógnita, tão dependente está da evolução política, nos próximos meses, nos principais países que a integram.

Vistas da Ásia, as perturbações no triângulo EUA-UE-Rússia podem parecer distantes e de pouca influência nos principais países desta região, mas esta é uma visão míope, tão relevante é, desde logo, o mercado europeu para as exportações asiáticas.

E isto é reduzir a questão à esfera económica, quando se sabe que uma má gestão das relações entre a América, a Europa e a Rússia, pode gerar acrescidas preocupações de paz e segurança à escala global.

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Sinais de inquietação num tempo como o nosso. Mas, porque somos todos nós, sobreviventes do medo (enquanto estivermos vivos…), somos por isso mesmo condenados… à esperança.

Carlos Frota 

Universidade de São José

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