O Nosso Tempo

O Papa e o Facebook

O Papa Francisco recebeu há tempos, no Vaticano, o criador do Facebook. Não pude deixar de me lembrar de Bento XVI tendo nas mãos o novo iPad. É a Igreja a abraçar o mundo porque vive para o mundo, isto é, para nós.

Tratou-se seguramente de uma conversa muito interessante a de Francisco, o homem que tem um diálogo permanente com o planeta, através da mensagem de Cristo que veicula, com Mark Zuckenberg, um dos que reduziram o mundo, com Bill Gates e alguns outros (cada um de modo diferente, mas afinal convergente) à dimensão imaginária de um adro de igreja.

Inventores que vieram abrir as portas do isolamento e da solidão a milhões de pessoas, a cada minuto, a cada segundo, com as vantagens e os riscos inerentes.

O que terá o Papa dito a Zuckenberg? Não será difícil de imaginar: que privilegie, no extraordinário meio de comunicação social que criou, as mensagens que constroem e não as que destroem, as que criam esperança e não as que conduzam ao desespero. Porque quando se recua nestas, são as outras que avançam e ocupam todo o espaço.

O radicalismo, por exemplo, só é possível, por ausência de informação alternativa, dirigida aos mesmos alvos, por forças moderadas que quebrem o monopólio dos ideólogos do ódio.

Como a descrença na vida só se espalha, como filosofia do “nada vale a pena”, se não ler mais, por exemplo no Facebook, histórias que vale a pena contar, porque nos puxam a nós todos para cima.

 

Retalhos da vida real

Quando passo os olhos pelos jornais, agora principalmente na sua forma digital, como que saltam da folha de papel inerte, ou da luz fixa do “tablet”, as pessoas concretas que protagonizam histórias de vida. E que encerram sempre ensinamentos.

Está hoje de facto contida em muito do que lemos, vemos ou ouvimos, a insensatez de uma civilização sem bússola. Mas também a sabedoria conservada dos livros sagrados, o ensinamento dos líderes religiosos, fundadores das grandes religiões, ou dos filósofos na sua démarche “racional”. Para tentarem explicar ou dar sentido à existência humana. Tudo ou quase tudo está nas notícias.

Eu que nos chamei a todos nós, em crónica que escrevi para outro jornal, “os consumidores de notícias”, com a leve sugestão de quem é tantas vezes acrítico ou indiferente ao lê-las, faço hoje o elogio das notícias e de quem as lê. O que é uma outra forma de homenagear a Comunicação Social.

As notícias exprimem conflitos e reconciliações, desespero e esperança, porque as notícias são retratos (por vezes deformados, é certo) de todos nós.

 

O nosso tempo

O título alternativo da crónica de hoje poderia ser também idêntico ao que envima esta página regular de opinião que tenho tanto gosto em subscrever: o nosso tempo.

Porque afinal trata-se, como sempre, de tentar interpretar o tempo presente, de tentar ver como nós, seres humanos, nos adaptamos às contínuas mudanças do nosso universo habitual. Que por força de tantas causas conjugadas se vai cada vez mais tornando um universo… inabitual.

 

Ser e continuar a ser

A propósito das transformações físicas que em cada um de nós se operam, com o avançar dos anos, um amigo resumia a questão há dias com uma frase que sintetiza o essencial: o que é preciso é que nos reconheçamos, como nós próprios, a cada momento.

Mudança e identidade, eis pois o debate, para quem quiser assumir a questão como uma imaginária conversa a dois, ou a muitos.

Mas a minha reflexão leva-me por caminhos insuspeitos, e como quase sempre ligados a esses retalhos de vida que transbordam das notícias de todos os dias.

 

Ser-se humano, simplesmente

O jovem militar Bradley Manning que ajudou Edward Snowden a desvendar os segredos da Agência de Segurança americana, foi julgado e condenado, como se sabe, a trinta e cinco anos de prisão.

(A propósito de Snowden, leio que amigos e grupos de pressão tentam obter o perdão de Obama antes de o Presidente deixar a Casa Branca. O que pensar disso? Eu tenho a minha opinião… naturalmente).

Em greve de fome há algum tempo já, Manning cessou tal ameaça – contra a sua própria vida e contra a indiferença das autoridades – quando lhe foi prometido que terá a cirurgia que requer para a mudança de sexo, porque se assume como mulher. E Chelsea (que não Bradley) deseja que tal reencontro consigo própria se complete fisicamente. Para quê?

No seu universo circunscrito às paredes de uma cela, por mais três décadas (se não beneficiar de redução da pena), Chelsea vive a esperança de um mundo sem prisão e sem barreiras.

Sem tratar aqui da gravidade dos motivos que o/a levaram à prisão (tenho, repito, como toda a gente, uma opinião pessoal sobre isso, fortemente influenciada por mais de três décadas como diplomata) parece-me simbólica a démarche deste ser humano que tenta libertar-se das suas amarras, para tentar ser a pessoa que deseja ser.

Não é esta mais uma história, entre tantas, de tentativa de auto-superação? Não é esta história, entre tantas, de miséria e humilhação, a tentarem ser sonho?

E quantas dessas histórias de superação, e por isso de heroísmo anónimo, não se poderiam contar, em registos inteiramente diferentes, como a sucessão de dramas dos refugiados que chegam, quando chegam, à Europa, ou de gente inocente, encurralada em todas as Aleppos bombardeadas?

 

Correr para o nada

Poderia ser outra a razão ou a circunstância, como a da história a seguir, mas o significado humano essencial é o mesmo.

Correr para nada, poderia dizer-se. É o caso da atleta para-olímpica belga Marieke Vervoort que corre a ganhar todos os títulos, todas as medalhas possíveis e, no entanto, tem agendado já o seu encontro com a morte voluntária.

Escolheu a eutanásia como o caminho final de uma doença prolongada, desde os 14 anos de idade, caracterizada pela degenerescência muscular, com agravamento progressivo das suas condições de sobrevivência, ainda nos limites toleráveis da dor.

Correr para o nada, até ao momento do sono derradeiro. Pré-determinado. Calculado. Com dia e hora marcados. Quantos de nós, cristãos, não desejariam convencer essa heroína do desespero, através da mensagem, de que, afinal, a noite eterna é um dia sem nuvens e cheio de sol?

Carlos Frota 

Universidade de São José

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