O nosso tempo

Refugiados: oportunidade para a Europa? (I)

O tema dos refugiados sírios na Europa tem sido tratado sob os mais diversos ângulos, mas tem faltado, até aqui, uma visão de conjunto sobre tão magna questão, desde logo pela impreparação em que se estava, a todos os níveis de decisão, para gerir uma crise, inesperada e daquela dimensão, no espaço da União Europeia.

Os líderes europeus têm andado aliás muito ocupados, na última década, a gerir uma crise financeira internacional que não provocaram; a defender uma moeda única, sujeita a ataques do exterior, por parte de quem nunca morreu de amores por esse símbolo da integração do continente; e a negociar penosamente o sobreendividamento de países que confiaram na “generosidade” e liquidez do sistema bancário europeu e internacional. E cujas políticas de protecção dos mais pobres são a única resposta à lógica brutal do mercado, quando esta não é minorada por considerações sociais.

Ora quando, a propósito da crise dos refugiados ou de outra qualquer questão maior, as lideranças não propõem respostas coerentes aos problemas, a experiência histórica ensina que as opiniões públicas não ficam órfãs, por muito tempo, de quem as “elucide” e as “guie”.

As redes sociais estão hoje saturadas de mensagens xenófobas, que são a contrapartida infeliz ao radicalismo pseudo-religioso do outro lado.

Os agitadores de todos os quadrantes ocupam assim o espaço público, o do debate de ideias, manipulam as emoções, apelam a medos escondidos e proclamam que só a violência do fechar de portas pode ser a resposta adequada a essa outra “violência” (para eles) de quem, movido pelo desespero, lhes entra em casa sem sequer bater…

Esquecem-se considerações humanitárias, põem-se de lado valores e princípios, e promove-se o regresso à lei da selva e à defesa do espaço vital!

Em cada jovem refugiado esconde-se um terrorista. E quanto a velhos e crianças, os primeiros são vistos como cúmplices e as segundas como futuros recrutas… É a paranóia total!

 

Respostas: a humanitária e as outras

A resposta humanitária não tem estado naturalmente ausente, e a visita do Papa, acompanhado dos líderes religiosos da Igreja Ortodoxa Grega, à ilha de Lesbos (que já evoquei nas páginas d’O Clarim) serve tão só de símbolo indicador, para quem se reconhece nos ensinamentos do Pontífice – e são muitos milhões.

Mas o medo-do-outro é frequentemente mais forte do que a exemplaridade do bom samaritano. Daí importar uma visão de conjunto, para além de Lesbos.

Os ataques terroristas em Paris e Bruxelas não melhoraram, naturalmente, a percepção do problema, nem as perspectivas de integração. E fizeram, por essa via, também, o jogo das centrais ideológicas do jiadismo, tornando tudo menos pacífica a integração/aceitação dos muçulmanos, refugiados ou não, no imaginário dos europeus “de souche”.

 

Aceitar antes de integrar

Porque antes de integrar, é preciso aceitar o outro. Se não, a integração é uma farsa. Como se tem visto em não poucos países de acolhimento de minorias étnicas, confrontadas com as barreiras invisíveis do preconceito e da exclusão, não de jure, mas de facto.

Ora, enquanto a integração é um acto político, a aceitação é mais exigente, porque ética, religiosa, filosófica. Corresponde ao modo como vemos os outros, o Outro, a vida, o mundo e a História.

A resposta da sociedade civil europeia está por isso ainda mais dividida entre os apóstolos do acolhimento e da integração, por um lado; e os defensores da guetização, do acantonamento dos refugiados em locais, delimitados a arame farpado – e o seu retorno compulsivo, às terras de origem, o mais cedo possível, por outro lado.

Regresso, na minha memória, à França dos anos oitenta e noventa do século passado: esta não é mais do que a reedição, agora em grande escala, da teoria do então ministro francês do Interior, Charles Pasqua, que reenviava para Bamako, em voos que mais pareciam prisões voadoras, os imigrantes ilegais malianos que ousavam pôr o pé no solo da doce França.

E é neste contexto desfavorável que organizações ligadas às Igrejas ou simples ONG’s de voluntários, sem confissão religiosa declarada, fazem o que podem para socorrer os refugiados, abrindo lentamente as portas da sociedade civil a quem precisa não só de pão e um abrigo, mas de educação e de trabalho.

A resposta do mundo laboral é complexa, sobretudo se atentarmos no desafio colocado aos sindicatos de deverem caucionar a partilha dos empregos disponíveis, numa economia europeia que gera cada vez mais desemprego.

E aqui temos uma sugestão que vem do FMI, de uma das organizações internacionais que mais decisiva é na avaliação contínua do sistema económico global. E a sugestão é a de as empresas poderem remunerar os trabalhadores-refugiados com vencimentos inferiores ao salário mínimo, a fim de facilitar a sua integração no mercado de trabalho e disponibilizando-lhes o treino profissional de que a maioria esmagadora carece.

Neste contexto, muitos argumentam com a ideia de que tal não passa de um desperdício acrescido de recursos para a Europa, já a braços com a gratuitidade da hospitalidade forçada, pois tais trabalhadores serão sempre temporários, destinados que estarão ao regresso aos seus países.

Como a lógica da racionalidade económica é imparável, muitos contra-argumentarão dizendo que será facilitado o desenvolvimento das nações agora em ruínas, mormente pelo contributo dos então ex-refugiados, treinados nas empresas europeias e entretanto regressados aos seus países, constituindo, num contexto de crescente interdependência, novas oportunidades de investimento e emprego para os próprios europeus.

Isto, se os europeus estiverem atentos quando o momento soar, porque o facto de assumirem o encargo do que apelidei de hospitalidade forçada, não lhes conferirá nenhuma vantagem no momento em que as tarefas de reconstrução serão também oferecidas a empresas não-europeias…

Carlos Frota 

Universidade de São José

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