Uma Grande Iniciativa, precisa-se!
Ao escrever este texto tenho em mente o combate contra a intolerância religiosa. E a uma agenda internacional sobre esta questão, para o nosso tempo… Uma Grande Iniciativa, precisa-se!
O ex-Primeiro-Ministro britânico Tony Blair denunciava há dias a necessidade de a comunidade internacional investir mais fundos em iniciativas promotoras da tolerância religiosa. Enviado especial da ONU para o Médio Oriente, o ex-chefe do Governo trabalhista de Londres só confirma agora o que se já sabia: o quão intransponível é a muralha de obstinação dos ódios, dos preconceitos; e dos interesses que os alimentam, sejam eles políticos ou económicos, a expensas (ou com o pretexto) das diferenças religiosas que herdámos da História.
Melhor do que ninguém está ele posicionado, de facto, para saber que respostas militares nunca são a panaceia para resolver divisões profundas entre as comunidades humanas. A desordem sistemática no Iraque, depois da queda de Saddam Hussein é a prova disso.
Como resultado irrefutável, aliás, de uma certa cegueira política que, gerindo o imediato das crises (reais ou provocadas), adia indefinidamente o exame das causas profundas de dissensōes e conflitos que o tempo não atenua mas, pelo contrário, agrava.
A intolerância religiosa é um problema cultural, civilizacional se se quiser – mas é também um problema político à escala global. E os problemas políticos resolvem-se… politicamente… dialogando, negociando, procurando e definindo convergências.
Rezar de maneira diferente: Um dos episódios mais chocantes desta guerra civil iraquiana que matou já milhares de sunitas e de xiitas no interior deste Estado (que não existe…) conta-se em poucas palavras: Uma milícia sunita identificava a condição de xiitas das suas vítimas mandando-as… rezar. E como os xiitas rezam de maneira diferente, eram e são abatidos! Por rezarem de maneira diferente, ao mesmo Deus! O que este episódio simboliza para mim é o absurdo do ódio religioso, o carácter quase bestial com que fixam padrões de discriminação mais básicos.
Numa sociedade global como a nossa, em que os conflitos religiosos preenchem frequentemente as manchetes dos jornais e o tempo de maior audiência das televisões, são cada vez mais necessários os líderes políticos, religiosos ou do associativismo civil que sejam construtores de pontes.
Uma Grande Iniciativa: E que se reúnam numa GRANDE INICIATIVA que seja um princípio de caminho para a reconciliação inter-religiosa no mundo. Qualquer coisa como uma grande conferência internacional que fosse início de um movimento de consciência geral de todos actores, políticos e da sociedade civil. A propósito: o que faz a Aliança para as Civilizações, uma nobre iniciativa de que não se vê rasto nos media?
Uma grande iniciativa – dizia – que desembocasse não em mais uma OIG ou uma ONG, mas num longo e profundo movimento de ideias. Uma grande iniciativa que reunisse académicos e decisores políticos, jornalistas e líderes religiosos. A começar naturalmente por estes. E nos universitários. Das universidades seculares, das católicas, protestantes e islâmicas. A começar pela prestigiada Al-Azar. Ideia utópica, esta? Certamente! Ideia louca mesmo! Mas a verdade é que as grandes transformações da consciência universal se obtêm com a ousadia dos lunáticos que ousam pensar para além do óbvio e agir para além do sensato. Mahatma Gandhi? Martin Luther King? Nelson Mandela?
A César o que é de César, liderança religiosa e não política: A política e os políticos são instrumentos de organização das condições básicas da vida colectiva, não sendo nem religião, nem sacerdotes, nem muito menos confessores. Serão gestores, planejadores, mas não se lhes peça mais! Não têm tempo nem vocação.
Por razões que me parecem assim as mais óbvias, a Grande Iniciativa deveria ser liderada pelos responsáveis das grandes religiões do mundo, sendo critério relevante aqui o das estatísticas, isto é, o número estimado de fiéis.
E cada sistema religioso deveria ser capaz de aportar um contributo teológico importante, conforme o respectivo ponto de vista, sobre o tema que é o fundamental e para que não precisamos da prova de estudos filosóficos ou científicos. Tal ponto é o da constatação de que vivemos num planeta demasiado pequeno para comportar tanto ódio!
Um Concílio Ecuménico do… ecumenismo! Imagino o quê, exactamente? Imagino um conjunto de altos representantes do pensamento religioso e filosófico contemporâneo, capazes de inventariarem todas as convergência possíveis entre as diferentes culturas e civilizações do mundo, acervo susceptível por si só de desmentir o fundamento dos extremismos. E isto segundo o valor mínimo – comum a todos – de que o Homem é Homem, na dignidade fundamental que tal ideia encerra.
Não estou a sugerir aqui um caldo liberal de meias verdades, para todos satisfazer e todos, no fim, acabar por descontentar… Estou a pensar num conjunto de textos doutrinais sérios, elaborados na sinceridade do compromisso mas, antes de mais, na lealdade aos princípios básicos da Pessoa Humana. Tais textos inspirariam um código ético universal, comum a autoridades religiosas e autoridades civis e políticas, aos media e aos provedores da Internet – e onde iriam beber também todos os restantes actores desta sociedade global em que nos estamos a converter. Textos onde ficasse bem definido (?) o valor da tradição, como promotor de identidade e enraizamento, mas também, quando interpretada de forma estática, com obstáculo muitas vezes ao progresso e ao entendimento entre os povos.
Nos jardins do Vaticano: Um Pacto das Religiões (ou das Civilizações?) seria o resultado final desse esforço colectivo, capaz de irrigar o pensamento e a actuação de escolas e academias, seminários teológicos, intelectuais e jornalistas…
Não faltam no mundo convenções e tratados que consagram todos os direitos fundamentais, formalmente violados, aliás conforme os lugares e as circunstâncias. Mas quem sabe se um enfoque particular sobre as religiões e os conflitos religiosos não permitiria distinguir pelo menos o que é falso no discurso radical, em quase todos os sistemas religiosos?
A ideia de um Concílio Ecuménico do “ecumenismo” ocorreu-me aquando do encontro entre o ex-Presidente israelita e do Presidente palestino Abbas nos jardins do Vaticano, com o Papa Francisco. Por que não a ambição mais alargada?
A concluir: Para os católicos e muitos dos seguidores das diferentes igrejas protestantes não se vislumbra no horizonte o tempo da reconciliação entre irmãos desavindos. Quanto mais o esforço acima referido de uma espécie de “Unidade no Essencial” entre tão diversas áreas de civilização e de cultura!
Compus pois este texto com a sensação crescente de que estava escrever ficção política ou religiosa, como outros escrevem ficção científica. Mas terá mesmo que ser assim? Teremos mesmo que nos resignar a esta permanente chacina dos inocentes dos conflitos religiosos do nosso tempo, que ocorrerem sob o imperativo de proselitismos que nos reenviam a outras épocas? Não será também por aqui que se terá de construir a nossa aldeia global?
Carlos Frota
Universidade de São José