O mundo às avessas

Ainda sob os efeitos da feliz comoção de ver os nossos atletas desportivos elevarem o nome de Portugal ao primeiro lugar dos pódios internacionais, ao tornarem-se campeões europeus de futebol, atletismo, judo, canoagem, hóquei em patins e surf, os portugueses começaram a sentir o sabor amargo das ameaças de sanções, “destiladas” por vários dirigentes da União Europeia, porque ultrapassámos o défice permitido de três por cento em 2015.

Ninguém queria e quer acreditar que a Comissão Europeia decida penalizar agora o nosso país porque, em 2015 e durante o anterior Governo de Passos Coelho, que seguiu a política exigida por esta Europa, foi ultrapassado em algumas décimas o limite imposto ao défice. E esta posição das instituições europeias é ainda mais grave quando, até agora, o défice já foi ultrapassado por diferentes países 165 vezes (entre os quais a França, onze vezes), sem que alguma dessas transgressões tivesse sido alvo de sanções.

Ninguém quer acreditar que este Governo possa ser penalizado por eventuais erros do passado? É um exagero! Os dirigentes dos partidos que governaram em 2015 e que fazem parte do maior grupo parlamentar europeu, o PPE, e que, em última análise foram os culpados pela situação, afirmam agora que se Portugal for objecto de penalizações a culpa é do actual Primeiro-Ministro, António Costa, por não ter sabido defender o País. Que “grande lata”!

Os actuais dirigentes europeus, cegos, surdos (mas não mudos), parecem ignorar os grandes problemas europeus, como é o caso dos efeitos económicos e políticos da saída do Reino Unido da União Europeia; da situação dramática dos refugiados; o desemprego e a falta de crescimento económico na Europa; o desenvolvimento dos movimentos populistas de extrema-direita; a enorme crise financeira da banca italiana ou da “bomba” que parece querer explodir no Deutch Bank. O “Portugal dos pequeninos”, cuja equipa de governação não obedece ao “modelo” preferido pela maioria dos dirigentes europeus, é que é o alvo a abater.

Mas a tristeza e o estado de apreensão que se apoderou novamente dos portugueses não é apenas consequência dos eventuais problemas domésticos.

O terrorista ou o assassino fanático que provocou a morte de 84 inocentes em Nice, para além da consternação e revolta que provocou entre todos aqueles que abominam tais acções, voltou a levantar a polémica sobre as reais condições de segurança da população europeia, mesmo quando tais factos se passam num país, como a França, que está há meses a viver em estado de emergência nacional. Um outro atentado ainda mais recente, provocado por um afegão numa carruagem de um comboio alemão, parece confirmar a tendência da prática de actos individuais, por parte destes lunáticos, o que nos obriga a estar em permanente pré-aviso, olhando por cima do ombro e com desconfiança para o “parceiro do lado”. Circunstância que vai fazer aumentar o estado de ansiedade das populações e as manifestações de racismo e xenofobia, por parte de grupos políticos que querem tirar dividendos da situação.

Neste entretanto e no meio desta agenda diária de acontecimentos preocupantes, tem lugar um “Golpe de Estado” falhado na Turquia, provocado por militares turcos, que ninguém sabe ao certo o que queriam, ou pelo próprio Presidente turco para se desembaraçar de todos os obstáculos à sua pretensão de ditador daquela martirizada região do globo.

A “purga” levada a cabo por Erdogan, prendendo militares e polícias supostamente envolvidos no “golpe”, assim como funcionários públicos e destituindo magistrados que não comungam dos seus desaires antidemocráticos, é reveladora das suas intenções. Resta saber qual vai ser o rumo dos acontecimentos, nomeadamente a sua atitude face aos extremistas do Daesh, considerando que a sua anterior conduta na guerra da Síria foi marcada pelo combate aos curdos, seus inimigos históricos e por uma relação ambígua, económica e militar com os terroristas muçulmanos na Síria.

A exigência do Presidente turco aos americanos, para que extraditem o seu maior rival político, que vive exilado nos Estados Unidos, tem vindo a subir de tom e de forma provocatória. Esta situação, associada ao facto de Erdogan ter dado ordem de prisão ao general responsável pela base aérea que está a ser utilizada pela coligação dos EUA e restantes países, contra o Daesh, faz prever dificuldades para a segurança da região, na óptica da NATO, onde a Turquia é parte integrante, com o segundo maior exército da organização.

Por fim, que os actuais dirigentes da UE não continuem “sentados e a adormecer-nos” com a ideia de que o que se passa naquele país é apenas um conflito regional. Depois da “negociata” que valeu muitos milhões de euros a Erdogan, a Turquia tem sido um tampão para a questão dos refugiados e não se sabe qual o futuro deste acordo. Além de que o Presidente turco, ao manifestar a intenção de reinstaurar a pena de morte no País, já percebeu que a Turquia nunca entrará na UE e, como tal, os seus desígnios na região irão definir eventuais novas alianças. Responda quem adivinhar!

O mundo anda às avessas porque, ao invés de resolvermos os conflitos, multiplicamo-los!

LUIS BARREIRA

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