Para não recuar muito na História podem lembrar-nos da data de 1640, após 60 anos de ocupação espanhola, como o ano que devolveu aos portugueses o seu país, sem que no entanto o seu significado popular esteja, de facto, enraizado na memória sentimental do povo. Apesar de alguns considerarem que essa ocupação estrangeira nos pudesse ter trazido alguns benefícios económicos, pela dimensão da Península Ibérica no confronto com as grandes potências da época, Portugal não deixaria de ser um condado da Hispânia com os portugueses a “revoltarem as tripas” por terem perdido o seu “Portucale”, contra inimigos ancestrais da sua independência. Além disso, a actual “cultura mercantil” do nosso Governo, abolindo a comemoração desta data em favor da “produtividade” económica, arredou-a da memória popular.
Poderíamos comemorar a Implementação da República e o fim do regime monárquico, em 1910, com grande intensidade patriótica, celebrando o estertor de um sistema que, mau grado a opulência com que se apresentava em público, nos deixou um país fortemente endividado, paupérrimo e sem esperança no futuro. No entanto, as sucessivas crises, confrontos e revoltas da Primeira República, no meio de uma confrontação mundial que nos conduziu à Primeira Grande Guerra, não nos deixou eternas saudades da data que nos “acordou” para a modernidade.
Podem até, e merecidamente, evocar o 25 de Abril de 1974 como o dia e o ano que nos repôs no conjunto das nações desenvolvidas e que abriu o horizonte dos portugueses para os grandes desafios do mundo moderno, sem que no entanto hoje, passados 41 anos, não sintamos um “amargo de boca” pelas asneiras e pervertidas convicções de governantes, que colocaram os portugueses e Portugal no ranking dos países mais atrasados da Europa.
De cada vez que evocamos uma data histórica e apesar da própria história nos demonstrar que os significados das efemérides, analisadas no seu tempo e espaço, são sempre fronteiras evolutivas das sociedades, o sentimento que nos produzem nem sempre são os mais estimados e lembrados pelo povo, no seu conjunto.
Há apenas uma data que pouco representando nos capítulos das nossas transformações históricas é ainda hoje aquela que se vive com mais intensidade patriótica, nomeadamente entre aqueles que vivem afastados do seu país. O 10 de Junho!
Comemoramos orgulhosamente o 10 de Junho de 1580, data do falecimento do grande poeta Luiz de Camões, não pelo significado que à data os poderes lhe conferiram, enterrando-o em campa rasa e desprovido de “um trapo para se cobrir”.
Conferimos ao 10 de Junho uma relevância que está para além do homem, para se evidenciar na sua genial obra poética, é certo, mas sobretudo na forma como magistralmente soube exprimir a nossa gloriosa epopeia dos descobrimentos.
Nesta data não evocamos o nosso passado de conquistadores de um império e dos seus imperadores, mas a dignidade de um povo sofredor nas suas vitórias e da grandeza dos seus gestos.
Camões deu-nos um sentido de pertença a uma pátria que, embora tantas vezes madrasta para o seu povo e para os seus heróis, é nossa. A sua obra desenvolve a nossa auto-estima, estimula a memória das nossa raízes, da nossa cultura, dos nossos hábitos e tradições. O seu maior feito foi o de devolver ao povo o sentido da sua nacionalidade, da essência do seu patriotismo e da demonstração de que somos um povo com fibra, capaz de igualar ou mesmo superar tantos outros que, ainda hoje, glorificam os seus actos.
Embora esta data tenha servido o interesse de vários regimes e utilizada abusivamente para perpetuar as nossas desgraças, não me cabe a mim ajuizar sobre o actual sentimento dos portugueses na evocação do 10 de Junho. Mas não tenho dúvidas que a profundidade desse sentimento só é genuína na demonstração de um grande amor à Pátria. Razão que transcende meros episódios oportunistas da nossa história e que se confirma no sentir das nossas gentes dispersas pelos quatro cantos do mundo.
São eles os nossos emigrantes, aqueles que tal como lembra o poeta partiram ao encontro de um mundo desconhecido e que, pelo seu comportamento, têm dado “novos mundos ao mundo”; que mais sentem o afastamento das suas raízes e que neste dia mais motivos evocam para afirmarem a sua portugalidade. Por isso continuam a assegurar que o 10 de Junho não é propriedade de ninguém em particular, porque é nosso!
Luis Barreira