A concretização de uma antiga e legítima aspiração
Depois de muitos anos de insistências, os católicos de Irian Jaya, a parte da ilha de Papua pertencente à Indonésia, conseguiram finalmente concretizar um desejo antigo: ter à frente dos destinos pastorais da sua província um bispo autóctone. No mês passado, o Vaticano nomeou para o cargo o padre de 61 anos Yanuarius Theofilus Matopai You, que veio substituir o prelado franciscano Leo Laba Ladjar.
Recorde-se que setenta por cento dos quatro milhões e meio de habitantes de Irian Jaya professam o Cristianismo, dos quais 675 mil seguem os preceitos da Santa Sé. Se acrescentarmos os noventa mil católicos existentes na metade leste da ilha, no Estado independente da Papua Nova Guiné, temos um total de quase oitocentos mil crentes.
No caso da diocese de Jayapura, a mais antiga das cinco existentes em Irian Jaya, o apelo junto do Vaticano contou com o apoio de bispos indonésios das mais diversas proveniências e etnias. Na diocese de Timika, esse apelo seria reforçado após o falecimento, em 2019, do prelado John Philip Saklil, nascido em Irian Jaya mas com raízes familiares nas ilhas Molucas. Nomeado pelo Papa João Paulo II, Saklil, apesar de não ser considerado um bispo nativo, teve sempre o apoio da população local, pois opunha-se abertamente às corporações indonésias que desenfreadamente exploravam os recursos naturais das suas terras. Os católicos locais esperam agora que o novo bispo siga as pisadas de Saklil.
Ordenado sacerdote em 1991, depois de completar quatro anos de formação no Instituto de Filosofia e Teologia Fajar Timur, onde exerce actualmente a função de presidente, Yanuarius Theofilus Matopai You é doutorado em Antropologia e serviu os católicos papuas em diferentes paróquias. A sua nomeação demonstra também o reconhecimento, por parte da mais alta autoridade eclesiástica, da maturidade da Fé de um povo que abraçou o Cristianismo há pouco mais de um século. Isto, se falarmos em termos oficiais, pois houve outrora tentativas de evangelização por parte dos capelães que acompanhavam os mercadores portugueses presentes naquelas costas desde os primórdios do Século XVI.
Oficialmente, a Papua foi descoberta em 1526 pelo capitão Jorge de Meneses. Maravilhado pelas flores e plantas das quais nunca ouvira falar, pelos animais fabulosos “que parecem ter saído de livros os quais descrevem lugares distantes e fantásticos” e pelos nativos presos aos tempos antigos “com costumes e rituais arcaicos”, confessava no seu diário o dito navegador: “Apesar de amaldiçoar as chuvas incessantes que nos afastaram do nosso curso, dou graças à providência, visto que se não fosse por elas nunca teria chegado a esta terra”. Uns parágrafos adiante, acrescentava: “O nosso capelão tentou entender a religião deles e os meus homens mostraram-lhes algumas ferramentas que nunca tinham visto antes, posto que ainda utilizavam osso e pedra”. Mostra vontade Jorge de Meneses que “talvez, no futuro” toda aquela gente faça parte dos domínios da Coroa e “os nossos padres espalhem a verdadeira Fé entre eles”. Tece depois considerações acerca dos habitantes locais, com base nas informações prestadas pelos malaios da sua tripulação: “Parece que chamam as pessoas deste arquipélago de papua, o que significa ‘frisado’. Suponho que são chamados assim por causa do seu cabelo. Infelizmente, não tenho o tempo nem os recursos para me aventurar ilha adentro e devo-me contentar com pequenas expedições ao longo da costa. Espero que o clima melhore depressa e possamos deixar este arquipélago para cumprir o nosso dever. Nunca me esquecerei destas terras e, a partir de agora, baptizo este lugar de a Ilha de Papua”.
Apesar destes registos, a missão católica em Papua iniciar-se-á oficialmente em 1894 com a chegada de dois jesuítas à área hoje designada de Fakfak. Cedo o território fica sob a alçada dos Missionários do Sagrado Coração (MSC) que no início de 1900 destacam para ali um grupo de religiosos ao qual se juntam, pouco depois, missionários franciscanos. Em 1949, com o estabelecimento da Prefeitura Apostólica de Hollandia, futura diocese de Jayapura, estrutura-se a Igreja Católica. Contudo, o facto de não haver ali um bispo autóctone preocupava os papuas, desde sempre vítimas de violência, intimidação, pobreza e discriminação. Em vão procuravam algum tipo de reconhecimento, “difícil de obter junto das autoridades”. A sua única esperança era a Igreja Católica, mas para muitos esta estava “perto, mas longe”. Não sentiam a proximidade dos prelados indonésios para ali nomeados e em 2021 chegaram mesmo a emitir um voto de desconfiança, extensível à própria Conferência Episcopal da Indonésia. Exigiam a presença de bispos nativos “conhecedores da dinâmica geográfica, antropológica e social dos papuas”. Agora, esse desejo tornou-se uma realidade. A nomeação do bispo Matopai You é um forte sinal da Igreja Católica; uma medida “que ajudará a restaurar a confiança das crentes locais no clero”. No entanto, tal não significa que os católicos papuas advoguem qualquer tipo de política separatista. Simplesmente querem uma Igreja Católica “cada vez mais enraizada na cultura papua” e esperam do seu líder máximo local “compreensão da actual situação e das justas reivindicações sociais”.
Joaquim Magalhães de Castro