Missionários defendem a natureza e promovem a partilha
Anunciar o Evangelho é propor um modo novo de ver o homem e o seu mundo. Homem Novo, em Cristo renascido, o cristão percebe-se como um todo, no respeito por todos e por tudo o que lhe dá vida. A Natureza é, pois, o seu mundo, que deve ser também evangelizado, respeitado, promovido. Na história da evangelização cristã (que não apenas católica) ressalta, evidente, o esforço dos missionários em defesa do ambiente, nas várias vertentes e, sobretudo, na luta contra os grandes interesses que destroem o meio ambiente e despojam os pobres e povos indígenas do seu habitat e sustento. Se algo há que marca a diferença, pela positiva, na defesa do ambiente e na educação da partilha de bens, em comparação com outras instituições, organismos e movimentos, é a acção perseverante e corajosa da igreja missionária.
«Em todo o tempo, a terra está cheia da misericórdia do Senhor, e todos os fiéis encontram na própria natureza motivos de adoração a Deus, uma vez que o céu, a terra, o mar e tudo o que eles contêm, nos falam da bondade e omnipotência d’Aquele que os criou, e a admiração da beleza dos elementos postos ao nosso serviço reclamam da criatura racional uma justa acção de graças». (S. Leão Magno, séc. V)
A partir da década de 70, a Igreja tem acompanhado a questão ecológica com assiduidade. Destacamos alguns trechos da mensagem do Papa Paulo VI às Nações Unidas, que reforçam as preocupações da comunidade mundial reunida para esta conferência. «Hoje, de facto, há maior consciência de que o homem e o ambiente em que ele vive são mais do que nunca inseparáveis». Insiste o Papa na necessidade de respeitar os limites da regeneração da natureza: O homem deve «respeitar as leis que regulam o impulso vital e a capacidade de regeneração da natureza; ambos, portanto, são solidários e compartilham um futuro temporal comum». Dependendo do modo como agirmos com a natureza, serão «os factores de interdependência, para o melhor ou para o pior, para a esperança de salvação ou para o risco do desastre». O homem já se tornou numa ameaça para si mesmo, com suas armas atómicas, químicas e bacteriológicas. E o Papa pergunta: «Mas como se hão-de ignorar os desequilíbrios provocados na biosfera, devido à exploração desordenada das reservas físicas do planeta, até com o propósito de produzir os bens úteis, como, por exemplo, o desperdício dos recursos naturais não renováveis, a poluição do solo, da água, do ar e do espaço, com os consequentes atentados contra a vida vegetal e animal?». A técnica pode ser usada para minorar os males já causados ao ambiente. «Mas todas as medidas técnicas serão ineficazes – frisa o Papa, – se não forem acompanhadas por uma tomada de consciência da necessidade de uma transformação radical de mentalidades». Paulo Vl aponta a figura de São Francisco de Assis como modelo para nossa relação com a natureza: «Como poderíamos deixar de evocar aqui o exemplo imorredouro de São Francisco de Assis e deixar de mencionar as grandes Ordens contemplativas cristãs, que oferecem o testemunho de uma harmonia interior, obtida no âmbito de uma comunhão confiante nos ritmos e nas leis da natureza?» Por fim, partindo da frase de Paulo a Timóteo: «Toda criatura de Deus é boa» (cf. 1 Tm 4,4, que repete Gn 1), o Papa diz: «Governar a natureza significa, para a raça humana, não destrui-la, mas aperfeiçoá-la; não transformar o mundo num caos inabitável, mas numa bonita casa, ordenada no respeito por todas as coisas». O ambiente natural não deve ser objecto de apropriação pessoal exclusiva, mas é um bem comum, um património da humanidade.
Na Carta Encíclica “Sollicitudo Rei Socialis” (30/12/1987), João Paulo II aborda, em diferentes momentos, a questão ecológica: «Entre os sinais positivos do presente é preciso registar, ainda, uma maior consciência dos limites dos recursos disponíveis, a necessidade de respeitar a integridade e os ritmos da natureza e de tê-los em conta na programação do desenvolvimento, em vez de sacrificá-los a certas concessões demagógicas. É, afinal, aquilo que se chama hoje preocupação ecológica». Mais adiante, insiste no limite do domínio humano sobre a criação: «O domínio conferido ao homem pelo Criador não é um poder absoluto, nem se pode falar de liberdade de usar e abusar ou de dispor das coisas como bem Ihe agrada. A limitação imposta pelo mesmo Criador, desde o principio, é expressa simbolicamente com a proibição de “comer o fruto da árvore”( cf. Gn 2, 16-17)… Uma justa concepção do desenvolvimento não pode prescindir do respeito pelos seres que formam a natureza visível… Não se pode fazer, impunemente, uso das diversas categorias de seres, vivos ou inanimados – animais, plantas, elementos naturais – a bel-prazer, segundo as próprias necessidades económicas».
PARTILHA DE BENS
Um dos princípios lembrados pelo Concilio Vaticano II é o do destino universal dos bens, principio este que sempre de novo voltará em documentos sucessivos da Igreja: «Deus destinou a terra, com tudo que ela contém, para o uso de todos os homens e povos, de tal modo que os bens criados devem bastar a todos, com equidade, sob as regras da justiça, inseparável da caridade» (GS 69). Por isso, os mais ricos têm a obrigação de socorrer os pobres não somente com o que Ihes é supérfluo. As decisões sobre a vida económica devem atender às necessidades individuais e colectivas da geração presente. Por outro lado, é preciso «prever o futuro, estabelecendo o justo equilíbrio entre as necessidades actuais de consumo individual e colectivo, e as exigências de inversão de bens para as gerações futuras» (GS 70).
EM DEFESA DA NATUREZA
E DO MEIO AMBIENTE
«Louvai o Senhor, porque é bom cantar. Ele fixou o número das estrelas e deu a cada uma o seu nome. Ele cobre de nuvens o céu. Faz cair a chuva sobre a terra. Faz germinar a erva nos montes e as plantas que servem ao homem. Dá alimento aos animais e às aves o que lhe pedem…» (Salmo 146)
Ao lado de outros elementos necessários à vida, ar e água, terrenos e florestas são ameaçados de poluição pelo consumo excessivo, pela desertificação provocada pelo homem e pela desflorestação. Em 50 anos, metade das florestas tropicais foi arrasada, muitas vezes para conseguir terras, ou por políticas cegas de exploração acelerada, voltadas para o reequilíbrio do ónus da divida.
«Nas regiões mais pobres, a desertificação é provocada por práticas de sobrevivência que aumentam a pobreza; pastoreio excessivo, corte de árvores e arbustos para cozer alimentos ou para aquecimento», lembra João Paulo II.
Os missionários católicos têm desenvolvido, nestas regiões mais pobres, autênticos “milagres” de preservação da natureza e dos recursos naturais. Pondo-se ao lado dos mais frágeis, têm programas de acção e de educação notáveis, acentuando os seguintes aspectos:
Direito de todos a um ambiente humano e sadio; defesa dos povos indígenas e demais populações; conservação do meio ambiente: florestas, rios e fontes de água; cultivo racional das terras; investir na investigação agrícola, na formação agrícola; condicionar a actividade agrícola às capacidades e características de cada solo; promoção da higiene pessoal e pública; cuidados materno-infantis e educação no respeito pela natureza (educação ambiental).
A educação das pessoas centra-se nestas vertentes, também de inspiração cristã:
Defesa da vida diante da presença destruidora de uma cultura de morte; a ecologia: a natureza como dom de Deus que temos que cuidar e desenvolver com critérios éticos, com proposta de desenvolvimento sustentável; a terra, considerada como dom de Deus e lugar sagrado, sobretudo para os indígenas, que deve ser distribuída com justiça, favorecendo os excluídos.
UM EXEMPLO
O Departamento para os Direitos Humanos do Vicariato Apostólico de Iquitos (Peru) publicou o “Relatório de monitoração ambiental do Rio Marañón e da Reserva Pacaya Samiria”, que comprova uma grave poluição da zona. D. Miguel Olaortua Laspra, O.S.A., Vigário Apostólico de Iquitos, informa que os resultados mostram níveis «alarmantes» de contaminação das águas, a ponto de torná-las «não próprias para consumo humano», e observa que há muitos anos foram denunciados «a presença e o vazamento de petróleo».
A nota enviada à Agência Fides é acompanhada pelo comunicado do Vigário Apostólico, que recorda: «A responsabilidade pelo meio ambiente é de todos». Lê-se ainda no texto: «No total, foram inspeccionados 17 pequenos centros. Os resultados são preocupantes, quando não alarmantes, porque o nível de contaminação das águas é tão grande que não são próprias para o consumo humano. Encontraram-se elementos poluentes como ferro, alumínio, manganês, arsénico, cromo, coliformes totais e fecais, mercúrio, zinco, chumbo… alguns no sistema hídrico potável (nas localidades que gozam deste serviço) e outros nos rios Samiria e Maranon. O mesmo vale para os rios Tigre e Corrientes, que mesmo não sendo objecto deste estudo ou relatório, sofrem uma situação semelhante. Estamos trabalhando com as comunidades que moram à margem desses rios para oferecer apoio e orientação por parte da Igreja. Esta realidade contaminada que o relatório apresenta põe em sério perigo a saúde dos nossos povos e da nossa gente».
Sim, onde, muitíssimas vezes, não chegam os técnicos governamentais ou os agentes internacionais do ambiente, lá estão os missionários velando pelo ambiente e pela saúde dos povos.
In Boa Nova