Não há duas sem três

Esta semana foi recheada de incidentes, alguns deles pouco agradáveis e que poderiam ter tido consequências graves.

Na crónica anterior referia que tínhamos, pela primeira vez e ferindo o nosso orgulho de marinheiro, “arrastado âncora”. Como não há duas sem três, esta semana voltou a acontecer, num dia em que os ventos chegaram a mais de trinta nós na baía onde estamos. Fomos afectados por uma depressão tropical que nos manteve todo o fim-de-semana em alerta máximo porque havia a possibilidade de se transformar em furacão. Tal não aconteceu mas os ventos, mesmo assim, andaram frescos.

Depois do incidente em que tivemos a felicidade de ser alertados por um vizinho, desta vez estávamos bem atentos quando o vento começou a subir de intensidade. Depois de recolhida a âncora e de mais uma volta à baía, decidimos ancorar numa zona mais perto da margem e de águas mais baixas. Tudo correu bem até que uma rajada mais forte adornou o Dee e o fez mudar de direcção bruscamente, arrancando a âncora do leito de algas e fazendo com que ficássemos sem sustentação. A situação foi resolvida atempadamente porque estávamos de sobreaviso e com o motor a funcionar. No entanto, algumas dúvidas começaram a assolar-nos. “Arrastámos âncora” em águas mais profundas e “arrastámos âncora” em águas mais baixas, logo algo de errado se estava a passar e não conseguíamos perceber o que era porque os procedimentos de ancoragem estavam todos a ser seguidos. Ancorar com a proa virada ao vento, esperar que a âncora assente no leito e depois deixar o veleiro recuar com a corrente e o vento e, finalmente, usar o motor em marcha a ré para garantir que a âncora está bem enterrada.

Temos duas âncoras na proa do Dee, mas nesta situação usamos uma tipo “claw – Bruce” de 20 quilos e 200 pés de corrente, o que será mais do que suficiente para estas condições, visto que todos os ensinamentos apontam para que se use um ratio de 5 ou 7 para 1. Ou seja, se a profundidade de água for de 10 pés, por exemplo, deve-se deixar entre 50 a 70 pés de corrente na água. Se for de 20 pés, entre 100 e 140 pés de corrente. Isto sempre foi observado nas tentativas anteriores e mesmo assim não conseguíamos ficar no mesmo sítio. Na última tentativa, em cerca de 20 pés de profundidade, metemos toda a corrente na água. Parece estar a funcionar, para já… Mas começámos a procurar forma de comprar uma âncora de 40 ou 50 quilos para prevenir problemas futuros.

Problemas de âncora à parte, no dia em que “arrastámos âncora” por duas vezes, com vento a rondar os 25 nós, o nosso bote decidiu “ir dar uma volta”. Quando o amarrei ao veleiro devo tê-lo feito de forma deficiente. Por volta da hora do almoço a NaE vira-se para mim e diz: «– Vai ali um bote sem ninguém». Depois de nos apercebermos que era o nosso lá tive de colocar as barbatanas, óculos de mergulho e respirador e saltar para a água para ir atrás do “fugitivo”. Ondas altas e desencontradas, corrente forte, uma receita que não aconselhava à natação. Por sorte, quando já me sentia bastante cansado, passou um bote de um barco vizinho e apercebeu-se da situação. Prontamente deu uma ajuda: recuperou o nosso barquito e ficou à espera que nadasse até ele. Com o problema resolvido, era altura de voltar ao Dee e amarrar o bote como deve ser.

Os incidentes terminaram por aqui e nada mais haverá a acrescentar neste campo. Esperamos que não tenhamos de aqui relatar muitos incidentes deste tipo no futuro porque são sempre desagradáveis. “Arrastar âncora” é normal para quem vive em barcos mas, claro, não é agradável. Imaginem se tivesse acontecido durante a noite?

Há um sem número de programas e aparelhos electrónicos que podem servir de alarme mas nenhum funciona satisfatoriamente, acabando por ser mais um incómodo do que uma ajuda. O único que temos a bordo e que funciona bem é o que está incluído no radar, mas esse é impensável tê-lo ligado 24 horas porque o consumo de energia do radar é muito elevado e a energia eléctrica em barcos é um bem de primeiríssima necessidade que não pode ser esbanjado. Em dias de vento a solução é dormir com um olho aberto e outro fechado.

Entretanto, e como temos o Noel (o cachorro) no veleiro, já comecei uma fase intensiva de treinos para ver se o consigo transformar em alarme de âncora. Até agora o sucesso tem sido nulo, mas a esperança é sempre a última a morrer e ainda espero conseguir convencê-lo a dar sinal quando o veleiro se mover muito aquém do raio de circunferência que a corrente de âncora deve abranger. Por isso, aceito ideias! Quiçá não será o início de uma nova raça de cães!

De resto, relativamente à tripulação, estamos todos bem e de boa saúde.

João Santos Gomes

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