Para onde o destino me levar
Há dias celebrei o meu aniversário. Acordei com um misto de tristeza e felicidade. A minha madrinha tinha partido no dia anterior serenamente e em paz para a Casa do Pai. Já tinha mais uma grande intercessora no céu. Por outro lado, tinha perdido a sua companhia terrena. Contudo, sinto o coração confortado com a sua presença a um outro nível. Peço a sua protecção e intercessão, com um sentimento de profunda saudade que me acompanhará no meu caminho diário. Neste meu dia de aniversário tinha combinado o pequeno-almoço habitual com as irmãs. Também ao final do dia o reencontro com a minha neta, filho e nora. Até lá, o dia encontrava-se livre de compromissos. Faria o que eu tanto gostava. Percorrer a cidade a caminhar, para onde o destino me levar, carregando os meus sonhos, as minhas ilusões, as minhas alegrias e tristezas. Também o luto pelo falecimento da minha querida madrinha, freira da congregação franciscana. Recordei, enquanto caminhava, algumas palavras do Papa Francisco: «Juntos no amor, podemos mudar o mundo, podemos mudar a nós próprios, porque Deus é Amor… e neste encontro de amor tudo nasce: Nascem as amizades, a fraternidade e a certeza de que somos filhos do mesmo Pai. O amor pode mudar o mundo, mas muda-nos primeiro a nós próprios… e mesmo que não haja uma mesa, nem mesmo um café porque existe pobreza e guerra, somos igualmente irmãos e devemos dizê-lo uns aos outros. O amor é concreto, dá a vida uns pelos outros».
Quão difícil é o momento da partida, da separação física. Ainda que à distância sempre me concedeu o seu conforto, a sua compreensão, a sua doce ternura, a sua amizade, a sua oração que me acompanhavam nos bons e maus momentos que o viver a vida acarreta. De uma extrema humildade, foi luz e companhia na vida terrena. Nos momentos de trevas orientava o meu caminho através do seu exemplo, rumo ao aumento da fé e à procura de alcançar a santidade, fortalecendo-a de modo a que um dia pudesse usufruir da Vida Eterna. No Céu, junto do seu grande Amor, conceder-nos-á graças através de uma maior intercessão junto de Deus.
A minha caminhada levou-me até à igreja de São Domingos, um dos templos mais antigos de Lisboa, situada em plena baixa pombalina, tendo sido classificada como monumento nacional, cuja fundação por ordem de D. Sancho II, data do ano 1241 em que foi lançada a primeira pedra. Posteriormente seria ampliada e reformada pelos reis D. Afonso III e D. Dinis. Ao longo da sua existência sofreu inundações, um violento sismo no ano 1531. Em 1748 a capela-mor viria a ser reconstruída. Infelizmente o terramoto de 1755 e o maremoto subsequente causariam a destruição do corpo da igreja que viria a ser reconstruído. A 13 de Agosto de 1959, um grande incêndio consumiu toda a estrutura de madeira, os tectos, as imagens e pinturas. Tenho presente, apesar de ser ainda muito nova, esta infeliz ocorrência. Foi pois com alguma curiosidade que fiz uma curta visita.
A igreja de São Domingos tinha sido alvo de profundas obras no final do Século XX. Fora colocada uma cobertura em metal e betão e algumas paredes tinham sido pintadas. No entanto, estavam bem visíveis as marcas do incêndio, tornando-a única no mundo pela sua riquíssima história, pela memória de glórias e desgraças e ainda por permanecer com as marcas do incêndio. Na realidade é um santuário no coração de Lisboa que não nos deixa indiferentes. Vários casamentos e baptizados reais ocorreram nesta igreja. Segundo vários registos, o poeta Luís Vaz de Camões viria com muita regularidade conversar com os frades dominicanos. Face ao adiantado da hora não me foi possível visitar a sacristia, anterior ao terramoto, que escapou do incêndio, possuindo painéis de azulejos do Século XVII, móveis de “pau-santo” e grandes obras alusivas a São Domingos e à sua Ordem, constituindo uma verdadeira preciosidade. Fiquei feliz com a curta visita. Segui o meu passeio em direcção do Terreiro do Paço e do Cais das Colunas. Entretanto uma sobrinha veio ao meu encontro. Fizemos uma pausa para um café. Solteira, em teletrabalho, vivendo só, referiu que se encontrava muito cansada de trabalhar em casa. Tinha saudades da empresa, da companhia dos colegas. E não se previa o regresso tão cedo ao ritmo normal. A pandemia alterou e muito o nosso estilo de vida. Acompanhou-me durante mais algum tempo. Depois partiu rumo a casa. Foi muito bom mutuamente. Quando cheguei à Praça do Município o calor apertava. Debaixo das colunas dirigi-me ao Cais das Colunas. Entretanto, fui passando por várias esplanadas constatando que ainda não se fazia sentir a retoma, facto confirmado por um funcionário. Continuei o meu percurso até ao Chiado. Tomei um refresco ao balcão da Brasileira. Já se fazia tarde. Eram horas de regressar a casa. A minha neta e família já deviam estar a chegar para celebrar o meu aniversário e a vida. Já tinha escolhido a pastelaria para o lanche. A minha neta chegou com outros planos… Recordei as últimas palavras que a minha madrinha, Irmã Maria Gilda, tinha dito ao telemóvel, com a ajuda de uma amiga, despedindo-se, enviando um beijinho e referindo que tinha a fotografia da minha neta na mesa-de-cabeceira. Mal eu sabia, que poucas horas depois, partiria para a Casa do Pai. Bem cedo, no dia seguinte, com surpresa, recebo a uma mensagem que referia: “Não acredito que a morte possa ser o fim de todos os sonhos da vida, de todos os tempos e lugares. No fim ALGUÉM espera por nós. Que o rasto de Luz que a nossa irmã Maria Gilda deixou nas nossas vidas permaneça nos nossos corações”.
Termino este artigo denominado “Para onde o destino me levar” feliz com a companhia da minha neta, mas com lágrimas nos olhos a querer sair. Na memória estava bem presente a recordação da doçura do olhar da Irmã Maria Gilda, muito orgulhosa por ter podido usufruir da sua companhia que permanecerá para sempre no meu coração. Obrigada e até sempre!
Maria Helena Paes
Escritora