«Esse sou eu, Senhor?»
«Chegada a tarde Ele sentou-se à mesa com os doze discípulos; e, enquanto comiam, Ele disse: “Em verdade vos digo, um de entre vós trair-me-á”. Eles ficaram muito tristes, e começaram a dizer, um a seguir ao outro: “Esse sou eu, Senhor?” (Mateus 26:20-22)». Especulo se Pedro também terá dito o mesmo. S. João registou o facto de que Pedro pediu a João (que estava sentado perto de Jesus) que perguntasse a Jesus a quem é que Ele se estava a referir (cf João 13:24-25). Parecia estar seguro de que não iria ser ele o traidor. Ele, “A Pedra”? (cf Mateus 16:18). Impossível! Pedro nunca trairia o seu Senhor. E, naturalmente, ele nunca o fez. Mas ele negou o seu Mestre e jurou que não o conhecia (cf Mateus 26:72-74). A Pedra pulverizada.
A presença do Mestre é uma luz penetrante que mergulha nas profundezas do nosso coração e descobre as coisas más e as boas. No fundo, Ele é a verdade, a Palavra de Deus que «está viva e activa, mais afiada que uma espada de dois gumes, cortando até à divisão da alma e espírito, das articulações e da medula, e compreendendo os pensamentos e intenções do coração. E na presença Dele nenhuma criatura se esconde, antes fica aberta e despida aos Seus olhos, a quem teremos que enfrentar (Hebreus 4:12-13)».
«Eu, o SENHOR, procuro na mente, pesquiso o coração, para recompensar cada homem de acordo com as suas obras, de acordo com os frutos das suas acções (Jeremias 17:10)». Durante a Quaresma, esta luz penetrante da verdade brilha mais intensamente nos nossos corações.
Durante a Última Ceia, Jesus rezou ao Pai pelos seus apóstolos: «Santificai-os na verdade (João 17:17)». Como é que a verdade santifica? Como é que nos torna santos? A Verdade é a luz que revela quem na realidade somos e assim pudemos reconhecer o bem que recebemos de Deus e o mal que se esconde no nosso coração. Uma pessoa que se sente ou ajoelhe diariamente em frente do Senhor torna-se consciente de que, por um lado, recebeu muitas dádivas, mas, por outro lado, que essas dádivas estão contidas em frágeis invólucros (cf Corintios 4:7) que se quebram de vez em quando, mas que podemos reparar através do Perdão de Deus.
Uma pessoa que diariamente abra os Evangelhos e medite sobre eles não poderá senão sentir a penetrante energia de Jesus, que irrompe na sua alma. É por essa razão que o Papa Francisco, repetidamente, tem sugerido que tenhamos o Evangelho connosco, aonde quer que vamos, e tenhamos uns minutos para Ele. Por vezes as pessoas queixam-se de que Jesus não responde às suas orações. Podemos dizer a essas pessoas: “Abram o vosso Evangelho e a resposta saltar-vos-á à vista!”. E agora já se pode descarregar a Bíblia para os “smartphones”, em vez de se andar com o livro no bolso. Por isso, não há mais desculpas. E para além da leitura diária do Evangelho, o que mais poderemos fazer? Fazer um exame de consciência diário.
O Papa Bento XVI comentou uma passagem do Evangelho de S. Paulo onde o apóstolo diz: «Corrijam as vossas maneiras (Coríntios 13:11)». Segundo o Santo Padre, «se virmos o texto original em Grego, verificaremos a existência de um outro verbo: “catartizesthe”, e que esta palavra significa restaurar ou reparar um instrumento, de forma a que volte a funcionar normalmente». E continuou: «O exemplo mais frequente para os Apóstolos foi o terem que reparar uma rede de pesca que já não estava em condições, pois tinha demasiados buracos e já não podia ser usada, pelo que eles tinham que repará-la para que a rede pudesse voltar a ser usada para a pesca, restaurada na sua condição perfeita de ferramenta para este tipo de tarefa».
«Vejamos um outro exemplo: Já não se pode tocar correctamente num instrumento de cordas, com uma corda partida. Por isso, neste contexto, a nossa alma, tal como uma rede de pesca apostólica, mas de pouco uso devido às nossas próprias intenções, tenha ficado com um buraco; e se encontre como um instrumento musical com várias cordas partidas. Assim, a música de Deus, que deveria ecoar nas profundezas da nossa alma, já não se ouve. Temos que reparar este instrumento, reconhecer as partes danificadas, a destruição causada, a parte negligenciada, as omissões, e tentar recolocá-lo na sua condição perfeita e completa, para assim servir o objectivo para o qual o Senhor o criou».
«Assim esta condição pode também vir a tornar-se num convite para um exame de consciência regular, para se verificar como está a condição desse nosso instrumento, até que ponto ele foi negligenciado, ou que já não esteja em condições de ser usado, numa tentativa de que volte a funcionar correctamente. É também um convite a que recorramos ao Sacramento da Reconciliação (Confissão) no qual é o próprio Deus que repara o instrumento e restaura a sua integridade, perfeição e funcionalidade, de forma a que o Amor a Deus desta alma possa voltar a ouvir-se» (Bento XVI, 3 de Outubro de 2005).
Quando nos examinamos a nós próprios temos que nos manter atentos ao o que os autores espirituais chamam de “a falta predominante”. Porquê? Porque essa falta, normalmente, é a razão de muitas das nossas negações e traições. O arcebispo D. Fulton Sheen sugere o seguinte: «A maneira mais rápida de descobrirmos a “falta predominante” é perguntarmos a nós próprios: “o que é que eu mais penso quando estou só? Para onde vão os meus pensamentos quando os deixo ir livremente? Que falta me irrita mais profundamente quando sou confrontado dela, e que pecado eu nego mais veementemente?” (Fulton Sheen, in “Lift Up Your Heart”- Levante o Seu Coração)».
Quando lemos o Evangelho e examinamos a nossa consciência ficamos cara a cara com Jesus. Possamos nós não Lhe virar a cara, mas antes olhá-Lo nos olhos.
Pe. José Mario Mandía
(Tradução: António R. Martins)