MOÇAMBIQUE A Desgraça da Pobreza

MOÇAMBIQUE

A Desgraça da Pobreza

Moçambique é um dos dez países mais pobres do Mundo. Isto significa que cada um dos cerca de trinta milhões de habitantes daquele país africano tem, em média, cerca de mil euros por ano – sim, por ano! – para satisfazer as suas necessidades. E como estamos a falar de médias, a grande maioria desses trinta milhões de pessoas sobrevive com muito menos do que isso. E como se não fosse suficiente, o País foi fustigado pela pior tempestade da última década.

Há catástrofes naturais que só atingem os pobres. Aliás, atingem sempre mais os pobres.

Porque têm casas piores, ou não têm casas de todo; porque vivem nos locais mais expostos, que mais ninguém quer; porque não têm meios para se deslocar ou proteger; porque não têm informação e capacidades para antever as desgraças e, assim, fugir delas ou minorar os seus efeitos.

Moçambique ainda vive uma dessas catástrofes. Os mais pobres de um país que, já de si, é um dos mais pobres do Mundo foram fustigados pela pior tempestade dos últimos dez anos. O ciclone Idai devastou a região da Beira, no centro do País, em meados de Março. Chuvas torrenciais e ventos que chegaram aos duzentos quilómetros por hora arrasaram estradas, pontes, casas e o que mais houvesse. O Banco Mundial estima que, só no que diz respeito à destruição de edifícios e colheitas, os prejuízos são de 685 milhões de euros, o que representa mais de cinco por cento da riqueza produzida no País num ano inteiro.

Pior, muito pior, é o custo humano. O Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, chegou a admitir que «o ciclone pode ter feito mais de mil mortos», mas até agora estão confirmados um pouco mais de seiscentos. Contudo, o número de pessoas afectadas directamente ascende a um milhão e meio. Muitas ficaram isoladas durante dias pela subida das águas, sem comida, sem água potável e sem eletricidade.

Como se tudo isto não fosse suficiente, surgiu mais um “Cavaleiro do Apocalipse”: a peste. A contaminação das fontes de água fez surgir um surto de cólera que, à data em que estas linhas foram escritas, já tinha matado oito pessoas.

A comunidade internacional, Portugal incluído, mobilizou-se para ajudar, mas a dimensão da tragédia e a debilidade das estruturas dos locais de socorro e apoio tornaram esse trabalho extremamente difícil. Sinal disso mesmo é o pedido de ajuda ao Fundo Monetário Internacional enviado pelo Governo moçambicano, e que recebeu resposta positiva imediata.

Mas os efeitos do ciclone Idai, por muito prolongados que sejam, vão acabar por se desvanecer. Há outras catástrofes, não naturais, que têm efeitos muito mais duradouros. Como, por exemplo, um surto súbito de riqueza.

Sim, a riqueza também pode ser uma catástrofe para um país, como se vê todos os dias em África e não só. É a riqueza que não melhora a vida de todos, mas apenas a de alguns. É a riqueza que traz a corrupção e a guerra, porque os Estados não são suficientemente fortes, saudáveis e democráticos para travar a ganância dos de dentro e dos de fora.

A Noruega, com o seu petróleo e o seu gás natural, é o país mais desenvolvido do Mundo; Nigéria e Angola, que produzem mais petróleo do que a Noruega, estão entre os países mais corruptos e desiguais do planeta.

É esse o desafio para Moçambique, que se prepara para começar a explorar as suas enormes reservas de gás natural: o de não se transformar numa nova Angola ou numa nova Nigéria.

Um consórcio liderado pelas multinacionais Exxon Mobil e ENI deverá começar a extrair gás ao largo do norte do País, na bacia do Rovuma, no final de 2022. Se tudo correr como previsto, um outro projecto, três vezes maior, vai começar a produzir em 2025, na zona de Cabo Delgado. Esse empreendimento é liderado pela empresa norte-americana Anadarko, que acaba de ser comprada pelo gigante petrolífero Chevron por trinta mil milhões de euros. O presidente executivo da Chevron reconheceu que o negócio da Anadarko em Moçambique «encaixa muito bem» nos activos da sua companhia.

Não é certamente coincidência que, pouco depois de ter sido oficializada a decisão final de investimento da Exxon e da ENI, em 2017, começaram a surgir ataques na província de Cabo Delgado. Um dos mais recentes visou mesmo uma coluna de trabalhadores ao serviço da Anadarko. Ao todo, mais de cem pessoas foram mortas e as autoridades parecem ter muito pouco controlo sobre a situação. Os responsáveis pelos ataques parecem pertencer a uma obscura seita extremista islâmica, que chegou a ser ligada ao grupo somali Al-Shabab, mas ainda há grandes dúvidas sobre as suas reais motivações. Muitos acreditam que se trata apenas de criminosos comuns, que se escondem atrás de símbolos religiosos. O vice-ministro da Energia disse que, «com o gás, vamos dar um pulo qualitativo e os nossos inimigos estão sempre atentos». Augusto de Sousa não especificou quem são esses inimigos, mas avisou que, «nas áreas de negócio, é sempre assim».

O DESAFIO DA PAZ

Todavia, esta não é a maior ameaça à paz e estabilidade no País. Muito mais sério é o conflito latente entre a FRELIMO, que controla o Estado desde a independência, em 1975, e a RENAMO, o principal movimento de oposição. Depois de dezasseis anos de guerra civil entre as duas forças, a comunidade católica de Santo Egídio mediou um acordo de paz que possibilitou a pacificação e democratização de Moçambique. Entre 1992 e 2013, as armas estiveram caladas, mas desde então têm existido surtos recorrentes de violência que ameaçam causar uma nova guerra civil. As negociações entre os dois partidos têm avançado pouco e a escolha de um novo líder da RENAMO aumenta ainda mais a incerteza. Em Outubro haverá eleições gerais no País e teme-se que os resultados propiciem mais violência e uma ruptura mais grave.

Do lado governamental, a situação também não parece ser a mais pacífica. A recente detenção de altas figuras do Governo do anterior Presidente, Armando Guebuza, mostra que, das duas uma, está em curso uma ofensiva contra a corrupção de alto nível que mina o País há muitos anos, ou um enorme ajuste de contas entre facções da FRELlMO.

No momento em que escrevo estas linhas, foram acusadas formalmente vinte pessoas de envolvimento numa alegada garantia ilegal de empréstimos a empresas públicas no valor de cerca de dois mil milhões de euros, que, segundo a justiça norte-americana, terão servido, em parte, para pagar subornos a governantes moçambicanos. Nove pessoas foram detidas, entre as quais um ex-ministro das Finanças, um ex-governador do Banco de Moçambique, um filho de Armando Guebuza, a antiga secretária particular do ex-chefe de Estado, e ainda antigos dirigentes dos serviços de informações.

O desfecho deste caso é incerto, mas talvez sirva, pelo menos, para que as mãos cobiçosas que já se estendem para os mais de 65 mil milhões de euros de receitas públicas que virão do gás natural tenham algum pudor e receio.

Rolando Santos 

 Família Cristã

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