MIANMAR: CATÓLICOS KACHINS SOB ATAQUE

MIANMAR: CATÓLICOS KACHINS SOB ATAQUE

Catedral de São Patrício em Banmaw não resistiu aos militares

Há choro e desespero na diocese de Banmaw após a destruição da Catedral de São Patrício, no passado dia 16 de Março, véspera da Festa do Santo a que este templo é dedicado. A catedral terá sido incendiada durante operações conduzidas na zona por soldados do SAC (Conselho de Administração Estatal), a junta militar que actualmente detém o poder em Mianmar.

Neste Tempo da Quaresma, os fiéis têm por hábito reunirem-se em oração na floresta onde celebram a Via-Sacra e fazem procissões nas montanhas próxima, e, assim, “com fé, unem-se ao sofrimento de Cristo”, como explicou à UCANews um padre da comunidade católica local, que pediu o anonimato por razões de segurança.

O incêndio na catedral é o mais recente de uma longa série de ataques a locais de culto católicos, que em consequência disso ficaram danificados ou totalmente destruídos. Alegam os agressores, como pretexto, que tais locais de culto servem de esconderijos às forças de resistência. Consequentemente, tais edifícios são ocupados dias a fio pela soldadesca e, depois de abandonados, aplicam-lhes a já habitual política de terra queimada. Como identificou o clérigo birmanês, os soldados da Junta são na sua maioria jovens “sem educação ou qualquer tipo de cultura e valores, recrutados e manipulados pelos respectivos comandantes. E quando cometem estes bárbaros actos nem sequer se inteiram da gravidade dos mesmos”.

A diocese de Banmaw, no Norte de Mianmar, situa-se no Estado de Kachin, na fronteira com a China. Aí vivem cerca de um milhão e 700 mil kachins (a minoria étnica que dá nome à província) que reivindicam a sua autonomia há mais de sessenta anos, contando para isso com um exército organizado: o KIA – Exército pela Independência Kachin. A presença da Igreja Católica na região resume-se a duas dioceses: Myitkyina (com cerca de cem mil fiéis) e Banmaw (com quarenta mil católicos). Todo o território, montanhoso na sua essência, é actualmente zona de guerra com uma população em constante êxodo: comunidades inteiras foram desarraigadas, vivendo agora as famílias – muitas delas católicas – em campos de refugiados. Os jovens kachin, com “oportunidades limitadas ou até inexistentes”, em termos de Educação ou de Emprego, não vêem qualquer luz ao fundo do túnel. Ali não há futuro.

“Nos últimos dois anos”, disse o citado pároco à UCANews, “o conflito afectou nove das treze paróquias da Diocese, aumentando exponencialmente o número de refugiados”.

Já no início de Março, o centro pastoral do complexo da Igreja Católica de São Miguel, em Nan Hlaing, uma zona rural da diocese de Banmaw, foi atingido e destruído por um bombardeamento levado a cabo pelo Exército Birmanês. “Duas bombas aéreas lançadas sobre o terreno paroquial atingiram a igreja, mas felizmente não feriram ninguém”, sublinhou o jesuíta Wilbert Mireh, pároco desta igreja com mais de um século de existência.

O padre Mireh informou ainda que teve de viajar para um local distante, “até junto à fronteira com a China”, para poder comunicar com o exterior. “Desde Julho de 2024 que estamos sem luz ou qualquer tipo de telecomunicações”, adiantou. E referiu: “Agradecemos a Deus por estarmos em segurança, embora as pessoas aqui estejam a lutar pela sobrevivência: não há escolas, clínicas ou lojas”.

Ordenado em 2013, o padre Wilbert Mireh é um dos cerca de trinta jesuítas birmaneses. Após o seu serviço pastoral em Loikaw, foi enviado para Banmaw, onde, para além do cuidado pastoral dos fiéis, sempre se dedicou ao Apostolado Social e à Educação. “Hoje, o facto de as crianças não terem escola é uma das graves consequências da guerra civil”, observou, acrescentando: “Apesar do medo e da inquietação, continuaremos a viver pelo bem, pela verdade e pela justiça, firmes na nossa fé”.

No Estado de Kachin, o Exército Birmanês foi forçado a retirar de grandes partes da área e está agora a bombardeá-la com artilharia e aeronaves. Segundo fontes locais, devido à luta contínua pelo controlo de Banmaw, a maioria dos residentes da cidade fugiu para as florestas e aldeias vizinhas, onde tentam agora subsistir.

Nesta situação de precariedade e violência generalizada, o bispo D. Raymond Sumlut Gam foi transferido para a paróquia da cidade fronteiriça de Leiza, agora sob o controlo do Exército Kachin.

Os primeiros vestígios de fé na zona de Banmaw datam de meados do Século XIX, graças ao bispo D. Paul Ambrose Bigandet, MEP, responsável pelo envio dos primeiros missionários franceses para a zona de Banmaw, onde entrariam em contacto com o povo animista Kachin e iniciaram o trabalho missionário. Entre 1872 e 1939, 31 padres franceses serviram a população da zona de Banmaw, juntamente com alguns catequistas. Em 1936 chegaram os missionários irlandeses de Saint Columban, revigorando a evangelização. Em 1939, a Santa Sé estabeleceu oficialmente a Prefeitura Apostólica de Banmaw. Depois de ter sido interrompida pela Segunda Guerra Mundial, com o retomar das actividades apostólicas em 1961, a Prefeitura Apostólica passou a ser a diocese de Myitkyina. Banmaw fez parte da diocese de Myitkyina até 2006, quando o Papa Bento XVI criou a nova diocese de Banmaw, sufragânea da arquidiocese de Mandalay, tendo nomeado o Monsenhor Raymond Sumlut Gam como o primeiro bispo da Diocese.

Joaquim Magalhães de Castro

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