MEMÓRIA PORTUGUESA NO NORDESTE DA ÍNDIA E NO BANGLADESH – 43

MEMÓRIA PORTUGUESA NO NORDESTE DA ÍNDIA E NO BANGLADESH – 43

O “santo” Santucci e os homónimos António de Magalhães

Deve ter sido deveras espiritual, altruísta e despojado das coisas materiais o jesuíta italiano Antonio Santucci, chegado à Índia em 1668, pois, como testemunha em 1785 o seu confrade Joseph Tiefenthaler, “tanto cristãos como pagãos” ocorriam em grande número ao seu túmulo para lhe prestar votos e dedicar preces. O Museu Britânico guarda umas das cartas que ele escreveu na mesma gaveta onde está uma outra do punho do padre João Leitão, que em 1670 deixou Lisboa rumo à Índia. Do teor da acção e obra deste missionário, assim como dos seus compatriotas Francisco de Souza, Paulo [Pedro?] de Mattos, José da Costa, Mateus de Paiva e José de Paiva, nada sabemos “além do que nos ensinam os seus epitáfios”, como sapientemente nota Henry Hosten. Igual receita se aplica ao carmelita descalço Filipe da Conceição e aos padres (certamente jesuítas) Francisco da Cruz, Mateus Rodrigues e P.F. Xavier.

Hosten salienta o facto significativo de que entre 1689 e 1702 não haver notícia da morte de qualquer clérigo. “Terá havido uma diminuição no seu número? Ou, caso tenha morrido alguém, em que local foi enterrado, pois não está na Capela dos Mártires?”, pergunta com toda a pertinência o sacerdote belga.

Breve referência ao trabalho missionário do final do Século XVII transparece num relato do médico e viajante italiano Gemelli Careri. Chegado ao acampamento militar de Aurangzeb (em Galgala), em Março de 1699, é aí recebido com hospitalidade pelos capitães cristãos ao serviço do imperador que lhe garantiram “ter um enorme prazer” e sentirem-se honrados por servir o Grande Mogor, “porque nenhum outro príncipe pagava tão bem os seus soldados”. Disseram-lhe ainda que jamais tinham sido privados dos “consolos espirituais” inerentes à sua crença, apesar do conhecido fanatismo religioso do seu senhor. Os católicos romanos contavam aí com uma bem apetrechada “capela de paredes de barro na qual oficiavam dois padres canareses”.

A respeito do padre António de Magalhães, diz-nos o seguinte o seu consócio francês Diosse, numa carta escrita em Surate com data de 28 de Janeiro de 1701: “Quando os vastos Estados de Industão tiverem sido divididos entre os filhos de Aurangzeb, cujo reinado dura há já tanto tempo, não tenho dúvidas que esses príncipes serão favoráveis aos missionários e os protegerão abertamente em todas as províncias, especialmente os que se encontrarem aí estabelecidos aquando a morte de seu pai”. Informa-nos depois da contínua gentileza do príncipe mais velho [Shah Alam] para com “os nossos Padres Portugueses em Agra”; e que ultimamente aquele chamara a Cabul – onde estanciava, na companhia das suas tropas – “o Padre Magallens, um ex-Missionário em Delhi e Agra”, e dera ordens aos governadores e outros oficiais dos lugares por onde o padre deveria passar no sentido de “o prover com tudo o que fosse necessário para sua jornada”.

O francês acreditava que Aurangzeb convocara o padre Magalhães à sua corte para que este cuidasse dos cristãos que tinha ao seu serviço. Hosten recorda, muito oportunamente, que a comunidade católica de Cabul ainda existia em meados do Século XIX, sendo certamente alguns dos seus membros “descendentes dos aventureiros europeus” que compunham o corpo de artilharia dos imperadores mogóis.

Curiosamente, quase na mesma época (duas décadas depois, em 1725) um outro António de Magalhães, homónimo do primeiro, também jesuíta, acompanharia o embaixador Alexandre Metello de Sousa e Menezes, ele e nove outros clérigos, na fragata Nossa Senhora d’Oliveira que com uma remessa de “livros sobre Portugal e trinta arcas de presentes” partiu de Lisboa para a China, via Rio de Janeiro, Brasil, e Macau, onde chega “no dia 10 de Junho de 1726”. Como recorda o historiador chinês Huang Qichen, “a embaixada foi bem recebida pelas autoridades portuguesas e pela população. Ouviram-se salvas de canhões das fortalezas e dos navios de guerra e uma guarda de honra foi formada por três grupos de soldados”. Não admira. Há muito ansiava a população local temerosa da animosidade do novo imperador Yongzheng, filho do tolerante Kangxi, em relação ao Catolicismo e no que isso pudesse significar para a situação de Macau.

O padre António de Magalhães, que antes tinha merecido a confiança de Kangxi, que o encarregara de levar presentes para o Rei de Portugal, regressava a Pequim “quatro anos após a morte de Kangxi”, tendo-se apresentado na Corte no dia 24 de 1726. Yongzheng apreciava muito este padre, e, por isso, designou-o intérprete dos embaixadores portugueses mandando que indagasse se eram mesmo as questões religiosas o verdadeiro motivo da viagem. Claro que eram, mas o padre António de Magalhães não o podia admitir, dizendo que explicou ser o objectivo da embaixada “a apresentação de condolências pelo falecimento de Kangxi e cumprimentar o imperador reinante, solicitando a sua protecção para os habitantes de Macau e vassalos portugueses na China”.

Joaquim Magalhães de Castro

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