“Maria vai com as outras”

O título desta pequena crónica, “Maria vai com as outras”, podia ser ouvido em conversas de rua, por qualquer pessoa que criticasse o comportamento seguidista de outro, por não estar de acordo com a decisão assumida por ele, ou ainda por não ter a coragem e o arrojo de seguir pelo mesmo caminho.

Mas quem o afirmou não foi um vulgar cidadão, mas sim o Primeiro-Ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho, referindo-se aos jornalistas e comentadores políticos que – segundo ele – não passam de uns preguiçosos que não estudam, nem fazem uma leitura correcta da sua governação, criticando-a.

Para um chefe de Governo em campanha eleitoral não será naturalmente fácil admitir que, para além de gente ligada à oposição, tenha de ouvir nas televisões, jornais e rádios do País membros dos próprios partidos da coligação de que faz parte condenarem publicamente algumas das decisões tomadas pelo seu próprio Governo.

Até se compreende que para Passos Coelho seja difícil admitir muitos dos seus fracassos e dos seus ministros na gestão do País, mas apregoar aos quatro ventos que estamos muito melhor do que estávamos é ir longe demais. Tal só pode ter origem numa espécie de cegueira política, acreditando piamente nisso; por teimosia, destinada a impor a sua vontade, contra a contrariedade de todos os outros; por mera atitude demagógica, de quem se encontra à beira de um precipício e aconselha todos a saltar com ele para não morrer sozinho; ou ainda por tentar inutilmente esconder uma realidade que é negativa à sua imagem, mas que é conhecida publicamente.

O que vai na “alma” deste Primeiro-Ministro para afirmar o que afirma não é um assunto que deva interessar muito ao cidadão português. Para este, o importante é a realidade que conhece e o futuro que o espera. E nisto a maioria dos portugueses está bem consciente do que lhe vai na “alma e na carne”.

Segundo uma investigação de um jornal económico português, entre 2013 e 2014, surgiram em Portugal mais dez mil milionários, com uma riqueza líquida de mais de um milhão de dólares. Como o euromilhões não saiu a tantos portugueses, presume-se que a esmagadora maioria destes novos ricos sejam empresários a quem o Governo acaba de conceder uma diminuição dos seus impostos, tendo como eventual objectivo alargar o número dos nossos milionários… Curiosamente e contrariamente, Portugal foi classificado recentemente como o País que, na Europa, tem mais desigualdades sociais.

Ao mesmo tempo que em 2013 mais de metade dos desempregados (e são muitos) não recebia qualquer tipo de subsídio de desemprego e o Governo baixou, nos últimos três anos, cerca de 40% do Rendimento Social de Inserção (RSI), atingindo as famílias mais pobres, o ministro da tutela, Pedro Mota Soares, que dirige o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, vem agora anunciar que vai limitar ainda mais essas prestações sociais, em nome da poupança nas despesas do Estado.

A fobia de austeridade deste ministro, mais papista do que o Papa, é de tal forma que, metendo os pés pelas mãos numa última sessão da Assembleia da República, declarou que iria poupar 100 milhões de euros no corte do “subsídio social de doença”. O riso provocado pela sua declaração não escondeu a tristeza pela sua intenção. É que este subsídio não existe! Algo que ele deveria saber, estando há mais de três anos no Governo.

Em conclusão: se Passos Coelho considera que o futuro do País está na criação de alguns muito ricos (já que não podemos ser todos ricos), alimentados por uma imensa maioria de muito pobres, tem razão em chamar-lhes de “Maria vai com as outras” a todos aqueles que rejeitam tal depravação social.

Com a anulação progressiva que se tem verificado de uma camada social intermédia, que permita manter a progressão social dos cidadãos e a obstinação assistencialista deste Governo, desresponsabilizando o Estado na luta contra a pobreza, a sociedade portuguesa torna-se num autêntico barril de pólvora, pronta para que uma qualquer “Maria”, desta vez a “da Fonte”, acenda a chama da revolta.

Luis Barreira

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