De Macau à Comissão Europeia.
Na década de sessenta rumou ao Canadá e chegou a partilhar alguns anos de estudo com o ex-Chefe do Executivo Edmund Ho, de quem ainda hoje guarda recordações e mantém uma amizade pessoal, mas sobre a qual não quis falar.
Depois de se ter formado em Econometria na universidade em Toronto leccionou na famosa Universidade de York. Dali deu o salto para Ontário, onde fez parte de um gabinete especial dedicado às Energias, sob a alçada do Primeiro-Ministro canadiano. Este cargo ocupou parte da sua vida profissional nos anos setenta e oitenta. Nessa altura começou a ser assediado para mudar de trabalho. Recebeu propostas do Banco Mundial em Nova Iorque e outra, que acabou por aceitar, para trabalhar para a Comissão Europeia em Bruxelas.
O facto de ser na Europa, de ser mais próximo de Portugal, acabou por pesar na decisão. Nos anos anteriores tinha conhecido o continente americano. Agora era chegado o momento de conhecer a Europa, algo que já queria fazer há muito tempo. A oferta de trabalho vinha mesmo a calhar e a decisão foi fácil, pelo que a mudança foi normal.
Durante a carreira como alto funcionário da Comissão Europeia fez parte de inúmeras comissões e equipas de trabalho. Dado que esteve ligado ao lado financeiro da Comissão esteve embrenhado nas negociações de acesso à União Europeia dos países do Leste Europeu, o que lhe deu especial satisfação. Aprendeu a falar Mandarim e a escrever Chinês porque havia a necessidade de ter alguém no seu departamento que dominasse a língua. E como sempre defendeu que o exemplo tem de vir de cima, meteu mãos ao estudo e foi aprender algo relacionado com as suas origens étnicas.
Depois de se aposentar, há cerca de dois anos, resolveu mudar-se para Portugal, onde vivem mais dois irmãos e alguns amigos. Apenas voltou a Macau em três ocasiões.
A primeira até prefere esquecer pois foi devido ao falecimento da mãe e não se lembra de quase nada. Foi uma ida tão repentina, logo nos primeiros anos da vida no Canadá, que «o pensamento durante a viagem estava noutro assunto», relembra com alguma tristeza.
Regressou a Macau só na recta final dos anos noventa, já quase no término da Administração Portuguesa, em resposta a um convite que o Instituto Politécnico de Macau tinha enviado para a Comissão Europeia para uma palestra. O convite parou na sua secretária e decidiu aceitar. Encontrou uma Macau muito diferente da dos anos sessenta. «Uma cidade mais progressista, mais moderna, mas que tinha perdido o charme de cidade portuguesa na Ásia». Admite que o território tinha melhorado em termos económicos e financeiros, mas o mesmo não se podia dizer em termos de qualidade de vida, de vivência da cidade e das pessoas. «Um desenvolvimento que tardou a chegar, mas que depois chegou muito rápido».
Questionado sobre a última vez que esteve de férias em Macau, embora surpreendido, respondeu de pronto: «De férias, de férias nunca fui a Macau! A única vez que lá fui, se se pode dizer de férias, foi quando trabalhava para a Comissão Europeia e tive de ir fazer um trabalho na delegação da Comissão em Hong Kong. Como estava tão próximo, aproveitei e estive em Macau durante três dias. Isto foi em 2002, ainda o meu irmão era presidente da Fundação Macau». Nesta visita teve a oportunidade de ver as mudanças que eram mais do que muitas. «A Baía da Praia Grande já não existia, a Universidade da Ásia Oriental tinha mudado de nome, o Instituto Politécnico já tinha mudado de instalações e a Escola Comercial já tinha passado a Escola Portuguesa de Macau»; muitas mudanças que, do ponto de vista do econometrista macaense, foram para melhor. «A Economia estava forte e a vida das pessoas tinha melhorado». Para sua surpresa, o uso da língua portuguesa estava mais difundido, o que não o deixou de surpreender depois da transferência de soberania.
O esforço que tem vindo a ser feito pela Administração da Região Administrativa Especial de Macau é reconhecido pela Comissão Europeia. A mulher de Manuel Rodrigues, também ela uma alta funcionária da CE, no campo da interpretação e tradução, participou em muitas das acções de formação para tradutores de Macau em Bruxelas, «um esforço que muito contribuiu para a qualidade da tradução em Macau e para a difusão da língua portuguesa no território». A senhora Rodrigues, de origem luso-canadiana, coordenou muitos dos cursos de formação para tradutores de origem chinesa do Governo de Macau.
Manuel Rodrigues nunca colocou a cultura macaense de parte. Apesar de estar longe, sempre foi acompanhando a vida de Macau, especialmente os aspectos económicos e culturais. O seu conhecimento da realidade foi reconhecido pela Universidade de Lisboa que há uns anos lhe pediu que elaborasse um texto sobre os pratos mais representativos da culinária macaense, sendo possivelmente o texto mais completo sobre a história de alguns dos pratos mais marcantes da comida das casas macaenses em Macau e na diáspora.
Confrontado com a possibilidade de regressar a Macau, ponderou um pouco antes de atirar: «Fica a muitas horas de voo! É a minha terra natal, mas a minha terra é onde me sinto confortável, rodeado de família e amigos. Voltar a Macau para quê? Macau é a terra onde nasci e tenho muito orgulho em ser macaense. Uma coisa é ser macaense, outra é, nesta terceira fase da minha vida, voltar para Macau. No entanto, nunca meterei de parte essa hipótese porque, apesar de reformado, ainda tenho muito para dar à sociedade e gosto de me sentir útil».
JOÃO SANTOS GOMES