Adeus Papa Bento XVI – com oração e gratidão

MAIS UM OLHAR SOBRE JOSEPH RATZINGER

Adeus Papa Bento XVI – com oração e gratidão

No dia 31 de Dezembro, depois de quase dez anos como Papa emérito, Bento XVI foi arrebatado desta vida pelo Senhor. Nascido em 16 de Abril de 1927, em Marktl Am Inn, na Baviera, Joseph Ratzinger foi ordenado sacerdote, junto com o seu irmão, Georg, em 1951. Foi nomeado Bispo de Munique, em 1977, e três meses depois foi elevado a Cardeal pelo Papa Paulo VI. O Papa João Paulo II nomeou-o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. A 19 de Abril de 2005 foi eleito 265.º Papa da Igreja.

A abdicação como Papa é considerada por muitos como o acontecimento-chave de seu pontificado e da sua vida. Lembro-me claramente daquele dia histórico. Íamos jantar no nosso convento de Macau quando ouvimos a incrível notícia: o Papa Bento XVI renuncia ao cargo de Papa! Era a noite (hora de Macau) de 11 de Fevereiro de 2013, Festa de Nossa Senhora de Lourdes e Dia Internacional dos Enfermos, quando o Papa anunciou a renúncia ao cargo de Sumo Pontífice da Igreja, com efeitos a partir do dia 28 de Fevereiro, às oito da tarde.

Por que Bento XVI iria renunciar? Palavras do Papa: “Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, percebi com certeza que as minhas forças, devido à idade avançada, não são suficientes para desempenhar adequadamente o ministério petrino” (Discurso ao Consistório, em 11 de Fevereiro de 2013). A princípio, a inesperada notícia da renúncia papal pareceu incrível, chocante, triste! Então, a maioria de nós pensou que a renúncia era um acto extraordinário de humildade e serviço à Igreja, e um acto singular de coragem.

Mas qual é a herança ou legado do papado de Bento XVI (1927-2022). Embora a história seja o juiz mais tarde, deixem-me apontar o que considero serem algumas realizações essenciais do Papa Bento XVI. Para muitas pessoas, a sua mensagem principal é a sua própria vida: uma vida coerente, lúcida, humilde, orante e alegre. Lembro-me do último “twit” do Papa, em 28 de Fevereiro: “Desejo que cada um de vós experimente a alegria de ser cristão”.

Pessoalmente, guardo como tesouro as suas três encíclicas, centradas nas estreitas relações das virtudes, em particular da Fé, da Esperança e da Caridade, e da Verdade e da Justiça: Deus Caritas Est(Sobre o amor cristão, 2005), Spe Salvi(Sobre a esperança cristã, 2007) e Caritas in Veritate(Sobre o Desenvolvimento Humano Integral na Caridade e na Verdade, 2009). A Lumen Fideipoderia ser considerada a sua quarta encíclica: foi escrita e publicada pelo Papa Francisco (29 de Junho de 2013), mas escrita em grande medida pelo Papa Bento XVI. O Papa Bento XVI também nos deixou duas importantes Exortações Apostólicas: Sacramentum Caritatis(Sobre a Sagrada Eucaristia como fonte e ápice da vida e da missão da Igreja, 2007) e Verbum Domini(Sobre a Palavra de Deus na vida e na missão do Igreja, 2010). Entre outras mensagens significativas, discursos, homilias, etc., destaco a sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz (a 1 de Janeiro de cada ano).

Sublinho, além disso, os três livros sobre Cristo, “Jesus de Nazaré”: livros do teólogo Joseph Ratzinger e do Papa Bento XVI. Como grande teólogo, Ratzinger/Bento XVI é geralmente classificado como um fervoroso seguidor de Santo Agostinho, São Boaventura e Hans Urs von Balthasar. Todos os escritos e mensagens do Papa, incluindo o seu aclamado “Light of the World” (An Conversation with Peter Seewald, 2010), estão centrados em Cristo, o Caminho, a Verdade e a Vida de cada crente. Não é à toa que o Papa Bento XVI escolheu o nome “Bento”, em homenagem a São Bento de Núrsia, para quem “nada é preferível ao amor de Cristo”. E não é de admirar que suas últimas palavras como Papa Emérito, e pouco antes de morrer, tenham sido: “Senhor, eu te amo!”.

Além disso, o Papa Bento XVI colocou a pessoa humana no centro da moralidade. É interessante notar que Bento XVI gostava de falar de uma só moral ou ética, não de duas – como muitos gostam de fazer –, isto é, ética da vida e ética social. Ele diz que há apenas uma moral, uma ética, porque a pessoa humana, um indivíduo e um ser social é o sujeito e o centro de toda a ética. Claro que se trata de um “progressista” na ética social, mas um conservador na moral sexual? Ética social e ética sexual estão interligadas. Como dizia Agostinho, um Estado que não fosse governado pela justiça seria um bando de ladrões (Deus Caritas Est, 28). Além da justiça o homem precisa, e sempre precisará, de amor (Deus Caritas Est, 29). A presença do sofrimento, da solidão, da necessidade material pede amor (Deus Caritas Est, 28). O cristão sabe quando é hora de falar de Deus e quando é melhor não dizer nada e deixar falar só o amor (Deus Caritas Est, 31).

Se faltar o respeito ao direito à vida e à morte natural…, a consciência da sociedade acaba por perder o conceito de ecologia humana e, com ele, o de ecologia ambiental (Caritas in Veritate, 51); Não é a ciência que redime o homem: o homem é redimido pelo amor (Spe Salvi, 25).

Certamente, o Vaticano II continua a ser o acontecimento mais significativo da Igreja desde o século passado. Devemos ao Papa Bento XVI a convocação do Ano da Fé (2012-2013) para celebrar o 50.º aniversário do início do Concílio Vaticano II (1962-1965). Para ele – para nós – o Vaticano II é, como disse São João XXIII, “uma grande graça e uma bússola segura”. Bento XVI: “Se o interpretarmos e implementarmos, guiados por uma hermenêutica correcta, pode ser e tornar-se cada vez mais poderoso para a sempre necessária renovação da Igreja” (Discurso à Cúria Romana, em 22 de Dezembro de 2005).

Depois que o Papa Bento XVI renunciou ao cargo de Papa, um gesto magnífico de humildade e fé, as pessoas perguntaram: O que fará o Papa emérito? O próprio Papa respondeu ao anunciar sua abdicação: “Desejo servir de todo o coração com uma vida dedicada à oração”. E deixou isso mais claro nas mensagens subsequentes. Eu ouvi-o dizê-lo novamente da varanda do seu apartamento no último Ângelus que proferiu, a 24 de Fevereiro. Diante de uma multidão de duzentas mil pessoas, a maioria jovens (e alguns idosos, como eu), que enchiam a Praça da Basílica de São Pedro, o Papa Bento XVI disse: “O Senhor está-me a chamar para me dedicar ainda mais à oração e à meditação”. E acrescentou: “Mas isso não significa abandonar a Igreja; pelo contrário, Deus pede-me isso, servir a Igreja com a mesma dedicação e amor…, mas de uma forma mais adequada à minha idade e às minhas forças”. Na última audiência de 27 de Fevereiro, o Papa afirmou: “Não abandono a cruz, mas permaneço de maneira nova com o Senhor crucificado. Não carrego mais o poder do cargo de governo da Igreja, mas ao serviço da oração permaneço, por assim dizer, dentro dos limites de São Pedro”.

Em 28 de Fevereiro de 2013, último dia do seu pontificado, Bento XVI fez uma breve e emocionante despedida à noite. Disse: serei simplesmente “um peregrino que está a iniciar a última parte da sua peregrinação na terra”. O Papa Francisco destacou duas características de Bento XVI: a fé e a oração. Quatro dias antes da sua renúncia, o Papa Bento referiu: “Rezar não é isolar-se do mundo e das suas contradições… A oração, pelo contrário, reconduz-nos ao caminho, à acção. A vida cristã consiste em subir continuamente a montanha para encontrar Deus e depois descer, levando o amor e a força d’Ele, para servir os irmãos e irmãs com o próprio amor de Deus” (Último Ângelus, 24 de Fevereiro de 2013).

No seu Testamento Espiritual, que assinou a 29 de Agosto de 2006 e se tornou público após a sua morte, Bento XVI diz-nos para permanecermos firmes na fé. Pede perdão “de todo o coração” para aqueles que a fé tenha ofendido. Agradece a Deus, à família, aos amigos, aos colaboradores e a todos os cristãos, inclusivamente a todos nós. Nós também lhe agradecemos: Obrigado, Senhor, por nos dar o Papa Bento XVI. Agora é a nossa vez de rezar por ele: que descanse, Senhor, nas Tuas mãos misericordiosas.

Pe. Fausto Gomez, OP

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