LISBOA, CULTURA E A PRIMEIRA COMUNHÃO DE UMA NETA

LISBOA, CULTURA E A PRIMEIRA COMUNHÃO DE UMA NETA

Porque a vida tem – forçosamente – que continuar

Talvez devido ao período de confinamento sinto uma enorme vontade de sair de casa, de fazer a minha caminhada, de usufruir do bom tempo que se tem feito sair, de socializar. Também para observar alguma retoma do comércio, a abertura das igrejas, o acesso à cultura ainda que condicionada, a chegada de turistas, as esplanadas repletas, ainda que tudo seja usufruído com todos os cuidados inerentes tão necessários. Decidi que sempre que possível, todos os Domingos visitaria um museu.

Neste Domingo não tive a habitual presença da família mas não foi impeditivo. Torna-se necessário usufruir de cada momento, já que não sabemos o que o futuro nos reserva. Estacionei o carro longe do Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, o museu escolhido para este dia, aproveitando para usufruir da beleza da cidade, hoje menos movimentada do que nos últimos Domingos. Também pelos lugares que fui passando apercebi-me que alguns espaços comerciais tinham encerrado. Quantas histórias de vida e de sofrimento se encerram através destes espaços fechados! Cheguei entretanto ao Museu. Gostei da entrada e do impressionante quadro exposto da autoria de Munõz Degrain (Valência, 1840-1924), representando Otelo e Desdémona. Esta pintura uma das melhores obras do acervo deste Museu, obra inspirada no acto V de Shakespeare, que se desenrola num espaço íntimo, no momento da trágica morte de Desdémona, com uma força verdadeiramente dramática e de uma grande riqueza expressiva, com um colorido brilhante e uma enorme perfeição com que são representados os acessórios. Só por este quadro já valia muito a pena esta visita. O Museu encontra-se instalado desde 1911 no espaço do Convento de São Francisco atravessando a história de arte em Portugal desde 1850 até à actualidade. Foi reconstruído em 1994 sob o projecto do arquitecto francês Jean Michel Willmotte. Constitui a mais importante colecção portuguesa de arte contemporânea, incluindo pintura, escultura, desenho, vídeo… Promove igualmente exposições temporárias. Na verdade, devido à pandemia do Covid-19, fui informada de que decorria unicamente uma exposição denominada “Biografia do Traço, colecção de desenho (1830-1920)” até ao dia 4 de Outubro, que certamente se reveste do maior interesse, mas preferi regressar noutra altura, quando estivesse a funcionar em pleno devido ao esquecimento dos óculos. Já tinha sido muito bom. Gostei imenso de observar o aproveitamento do espaço, como do local do Convento, com vários fornos, onde anteriormente as Carmelitas faziam as bolachas, agora faziam a ligação com salas de exposição.

Saí do espaço em direcção à beira-rio. Fiz uma curta paragem para tomar um café e saborear um excelente pastel de bacalhau. O café estava vazio. Quando cheguei apercebi-me que o rio apresentava um tom acinzentado, com algum vento e o céu nublado. De vez em quando os raios de sol apareciam. Que beleza de paisagem. É mesmo de cortar a respiração. Fiz a minha habitual caminhada em direcção ao Cais das Colunas, sempre repleto. Hoje estava muito tranquilo. Deve ser do tempo, pensei interiormente. Atravessei o Terreiro do Paço, a Rua Augusta até à Praça do Rossio. Resolvi ir por uma rua interior, Rua das Portas de Santo Antão, repleta de restaurantes, por onde não passava há tantos anos, mas quase sem clientes. Por todos os locais onde passava fui recordando diferentes momentos vivenciados. Foram muito bons. Os tempos agora são diferentes. A manhã já ia longa. O melhor era regressar a casa. Tinha pensado ir uma segunda vez à Feira do Livro que terminava neste dia. Ficava para o próximo ano, se Deus quiser, em melhores condições. Foi uma manhã excelente, mas a pandemia e as suas consequências estão bem visíveis causando alguma inquietação. O futuro a Deus pertence. Tudo é incerto, mas este período não durará para sempre apesar dos números tenderem a aumentar por esse mundo fora, também em Portugal, o que explica a diminuição e o receio dos turistas em viajar devido aos confinamentos impostos à chegada ao seu país de origem.

Contudo temos de manter a esperança, continuar a lutar e a procurar viver o melhor possível a realidade existente no momento presente. Recordei os tempos de confinamento em que passei grande parte no computador e que existe uma enorme desinformação em tempo de pandemia, onde a Internet é o grande espaço de todas as liberdades onde se partilham conteúdos, às vezes falsos. Uma vida sem paralelo, onde a verdade de hoje pode ser a mentira de amanhã. Vejamos o caso do uso de máscaras a título de exemplo, desaconselhadas num primeiro momento e recomendadas posteriormente. Hoje em dia quase todos podemos desempenhar o papel reservado aos jornalistas sem possuir os critérios nem a formação necessária, dando origem à divulgação de informação falsa. Alguém dizia que ler e escrever já não é suficiente.

A iliteracia digital constitui o analfabetismo dos dias de hoje já que a desinformação grassou de uma forma avassaladora nos dias de hoje, ou seja, encontramo-nos mais vulneráveis face à lacuna de ferramentas que nos permitam possuir segurança e convicções para detectar as notícias falsas. Não nos podemos esquecer que as redes sociais são um negócio publicitário. Na realidade já sofri com as redes sociais. Já copiaram o meu perfil. Não foi nada agradável receber um telefonema de uma amiga assustada, a questionar se me encontrava num outro país, tendo sido assaltada e ficado sem dinheiro para pagar o hotel, comprar o bilhete e regressar ao meu país. Foi necessário recorrer à Polícia Judiciária, sem nunca se ter descoberto quem foi o autor desta notícia falsa e como teve acesso aos meus contactos. Logo, todo o cuidado é pouco. Na ocasião senti-me info-excluída. Penso que é urgente dar formação nesta área. O empoderamento resulta sempre e ajuda a prevenir.

Bem, as escolas encontram-se a reabrir as suas portas, graças a Deus. Algumas pessoas regressam ao trabalho presencial, deixando o período de lay off. Desconhecemos as suas consequências. Importa procurar dar alguma normalidade, ajustar e adequar as medidas necessárias à medida que vão surgindo, para que tudo corra pelo melhor.

Se Deus quiser a minha neta fará a sua primeira comunhão, já uma vez adiada, no próximo Domingo. Só poderão participar cinco pessoas, incluindo os pais, avó, tio, padrinhos…A escolha é difícil, mas o que importa mesmo é que faça a sua primeira comunhão. O vestido já está pronto. É de família. Os acessórios também. Agora chegou a vez dos preparativos necessários e possíveis. Vivenciamos um outro momento, mas a vida tem forçosamente que continuar dentro dos limites existentes. De qualquer modo constitui um momento de alegria e de festa. Também poder observar como o tempo passa rapidamente quase sem nos apercebermos. A última vez que o vestido da primeira comunhão tinha sido utilizado fora há dezoito anos.

Santa Maria, rainha da esperança, intercedei por todos nós, para que possamos em breve voltar a usufruir em pleno de uma vida sem a ameaça da doença.

N.d.R.:Esta crónica foi redigida antes do segundo Estado de Emergência, decretado pelo Governo de Portugal no passado dia 9 de Novembro.

Maria Helena Paes

Escritora

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