Um terreno por fertilizar
No Japão há uma apetência para a aprendizagem do Português e ela traduz-se em licenciaturas de estudos luso-brasileiros onde se ensina a história, a literatura, a cultura, a linguística. No departamento de estudos luso-brasileiros da Universidade de Quioto, por exemplo, leccionam a tempo inteiro onze professores – entre portugueses, brasileiros e japoneses – e outros nove em regime part-time. Um total de vinte professores para cerca de três centenas e meia de alunos.
Mas não é fácil ensinar Português a japoneses. De certo modo é mais difícil ensinar Português a japoneses do que a chineses. Pela própria estrutura da língua e da cultura, e porque os alunos japoneses são, em regra, mais fechados, menos comunicativos que os alunos chineses.
A sociedade japonesa é muito hierarquizada. Há um forte sentimento de grupo, de pertença ao grupo e, portanto, não é suposto o indivíduo destacar-se do grupo. E isso resulta numa generalizada falta de participação nas aulas de cultura ou de conversação. Não obstante, subsiste a ideia errónea de que é o chinês que funciona mais um grupo…
No Japão o conceito de grupo está muito mais enraizado. A influência do neo-confuncionismo é muito forte. Embora seja uma sociedade altamente tecnológica, a base tradicional persiste alicerçada em valores culturais intocáveis. E um desses valores é precisamente o sentimento de pertença a um grupo.
E em que medida se reflecte isso no ensino de uma língua estrangeira?
A aula não pode ser meramente expositiva. É necessário que exista intercomunicação entre aluno e professor. Este deve receber dos alunos informação que lhe permita saber se eles o estão a acompanhar, se o estão a entender, e para tal é imprescindível que os alunos participem, levantem questões, respondam e dialoguem com os seus docentes. E isso não acontece no Japão. Ou melhor, acaba por acontecer ao fim de algum tempo com apenas alguns alunos. Aqueles que simpatizam mais com o professor. São eles que tentam colocar questões na aula, mas sempre timidamente, com cuidado para não se destacarem demasiado do grupo. Acontece estarem a pôr questões e, de repente, pararem, como se tivessem a consciência que estão a ir longe demais. Como não querem que os demais fiquem numa situação incómoda, retiram-se à sua insignificância dentro do grupo. De resto, são alunos simpáticos, trabalhadores, interessados, que fora do espaço-aula actuam como pessoas normais. Num espaço oficial – e a aula é considerada um espaço oficial – não colaboram muito para que se cumpra a tarefa da aprendizagem.
Há também a ideia que o japonês é curioso, ainda mais curioso que o chinês. Na realidade, o japonês gosta de saber, de descobrir, isso é um facto. Mas esse seu comportamento passivo, de que atrás se falava, não significa que o aluno não esteja atento nas aulas ou que não procure informação fora do estabelecimento de ensino.
Com os alunos chineses o problema de participação não se coloca. Os chineses, sobretudo os da China continental, estão mais à vontade. Colocam questões, interagem.
Para tentar inverter a situação os professores de Português a leccionarem no Japão procuram estar à vontade na aula, procuram dentro da formalidade serem informais. O que é difícil, pois no Japão tudo está no seu lugar, cada um sabe qual é o seu lugar. Há que escolher temas que interessem jovens entre os vinte e os vinte e três anos, que é, por norma, a idade média dos alunos.
Aspectos culturais, como o cinema ou a música, mas também aspectos da economia e de carácter social, são os assuntos que mais lhes interessam. É claro que lhe interessam em particular os assuntos que tenham a ver com Portugal e o Brasil e das suas pontes de ligação com o Japão. Apreciam imenso os aspectos tradicionais da cultura portuguesa e brasileira, tratando logo de estabelecer paralelos com as tradições nipónicas. Têm também uma enorme curiosidade em saber quais as influências históricas de Portugal no Japão e o actual cunho deixado diariamente pelos milhares de brasileiros descendentes de japoneses que trabalham no Japão.
Possível é estabelecer comunicação e até laços de amizade, o que é imensamente importante, já que a relação ensino-aprendizagem é também uma relação afectiva. É fundamental “conquistar” os alunos. A partir daí, o processo torna-se um pouco mais fácil. Mas nunca existe uma relação totalmente aberta, precisamente porque eles nunca quebram esse princípio sagrado de pertença a um grupo.
A nova geração está ao corrente da influência portuguesa na cultura nipónica pois esses dados constam do programa curricular. Não só estão informados como se interessam. Existem intercâmbios entre universidades japoneses e congéneres portuguesas e brasileiras. Todos os anos se fazem cursos de Primavera ou cursos anuais em Lisboa, Coimbra, São Paulo ou Rio de Janeiro.
Apesar de todas as lacunas, a verdade é que existe no Japão um carinho especial pelos portugueses. Normalmente todos referem a ilha de Tanegashima, o primeiro local de arribação lusa. Falam da espingarda e do pão de ló, enfim, todos têm uma ideia, por mais mínima que seja, do que foi a presença portuguesa no arquipélago. Contudo, e apesar dessa influência – também, e sobretudo, a nível da culinária – só recentemente, passado quase meio milénio, foi aberto um, único, restaurante português em Tóquio…
Infelizmente, o investimento português no Japão continua a ser praticamente nulo. Mais houvesse, nesse como noutros sectores, e seria um sucesso. Não temos a menor dúvida.
Joaquim Magalhães de Castro