Esperança: fieldade ao momento – 8

JUBILEU DA ESPERANÇA 2025

A Esperança: fieldade ao momento – 8

O dia de hoje está nas nossas mãos, mas não totalmente: o dia de hoje é feito de muitos momentos. Só este momento está nas nossas mãos. Pergunta: na perspectiva da Fé cristã, da vida espiritual/moral, qual é o significado de “momento”?

Quando era muito jovem, Santa Teresinha do Menino Jesus preocupava-se com o futuro. Depois de se tornar freira carmelita, concentrou a sua vida no momento presente: “Concentro-me apenas no momento presente. Esqueço o passado e preservo-me das preocupações com o futuro… Vejamos cada instante como se não houvesse outro. Um instante é um tesouro”.

O Mestre Zen diz: “O passado é irreal; o futuro também é irreal; só o momento é real. A vida é uma série de momentos, vividos ou perdidos”. De facto, a vida é uma série de momentos vividos ou perdidos! A verdadeira liberdade consiste em fazer “o que o momento presente exige, o que devemos a nós próprios e ao próximo” (Anselm Grun). Por seu lado, São Josemaría Escrivá escreve no seu maravilhoso “Caminho”: “Agora! Volta à tua vida nobre agora. Não te deixes enganar: ‘agora’ não é demasiado cedo… nem demasiado tarde”.

O MOMENTO E A ESPERANÇA – A esperança cristã está enraizada no passado, orientada para o futuro e vivida no presente. A esperança teológica coloca o passado e o futuro nas mãos misericordiosas e providentes de Deus. Concentra-se no “presente, no ‘agora’, pois Deus é o eterno agora e fala connosco de diferentes maneiras. Quando Maria visitou a sua prima Isabel, esta ficou profundamente surpreendida com a visita da mais abençoada de todas as mulheres e disse: ‘No momento em que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança no meu ventre saltou de alegria’ (cf. Lc., 1, 43-44)”.

Ser fiel ao momento implica viver o momento na presença de Deus. Deus diz a Abraão: “Vive na minha presença, sê perfeito” (cf. Gn., 17, 1). De facto, o momento para os crentes é o momento na presença de Deus: “O que importa essencialmente é a presença de Deus em cada momento da nossa vida, quando esta se orienta para Deus, tal como o girassol gira na direcção do Sol ao longo do dia” (Yves Congar).

Um homem santo e místico que viveu cada momento na presença de Deus foi o irmão carmelita Lourenço da Ressurreição (1614 – 1691), que nos deixou um maravilhoso livro de espiritualidade intitulado “A Prática da Presença de Deus”. Lourenço praticava a presença de Deus a cada momento. Esta prática, que não é fácil, mas é possível com perseverança, tornou-se um hábito santo. Ele explica: através deste hábito sagrado, “deleitamo-nos e habituamo-nos à companhia divina de Deus, falando humildemente e conversando amorosamente com ele em todos os momentos, sem regra ou sistema, e especialmente nos momentos de tentação, sofrimento, aridez espiritual, desgosto e até infidelidade e pecado”. O hábito da presença contínua de Deus é uma forma de oração que une a pessoa a Deus em todos os momentos da vida, quer esteja a rezar ou a trabalhar. Cada momento permeado pela presença de Deus é um momento de graça e de misericórdia (cf. Peter John Cameron, “The Classics of Catholic Spirituality”).

Entregamo-nos à Providência de Deus a cada momento, o que é chamado pelo místico jesuíta Jean-Pierre de Caussade (Século XVIII) de “sacramento do momento”. Na sua obra-prima de espiritualidade “Abandono à Divina Providência” (colectânea de escritos entre 1729 e 1739), escreve: “Cada momento que vivemos é como um embaixador que declara a vontade de Deus”; “Cada momento revela-nos Deus”; “O que Deus arranjou para que vivêssemos em cada momento é a melhor e mais santa coisa que nos pode acontecer”. Por isso, somos aconselhados pelo místico francês “a aproveitar o que cada momento nos traz e depois esquecê-lo, desejando apenas estar alerta para responder a Deus e viver só para ele”; “Cada momento traz um dever que deve ser fielmente cumprido”. O caminho da vida para a felicidade é “viver só para Deus e para os deveres do momento presente”.

MOMENTOS ESPECIAIS – A vida é, de facto, uma série de momentos que formam uma cadeia que nos leva para a frente. Todos os momentos são importantes. Alguns momentos, no entanto, possuem um significado especial, tais como, o momento do nascimento, o momento do compromisso – com o matrimónio, com a vida religiosa, com a ordenação sacerdotal, com a profissão – e o último momento.

Há um uso essencial da palavra “momento” quando se refere ao início e ao fim da vida. Os cristãos acreditam na sacralidade da vida humana e são guiados por um princípio ético fundamentado nas Sagradas Escrituras e na Tradição: A vida humana deve ser defendida desde o momento da concepção até à morte natural. A nossa vida é sagrada: Deus criou-nos; Deus governa-nos; Deus adoptou-nos em Jesus como Seus filhos e destinou-nos à vida eterna com Ele. A nossa vida é sagrada e deve ser defendida e promovida desde o seu primeiro momento (contra o aborto) até ao último (contra o suicídio, o homicídio, a eutanásia e a pena de morte), e entre o primeiro e o último momento (contra a violência, a injustiça, a insensibilidade ao sofrimento e às necessidades dos outros, a pobreza forçada, e por uma vida humana digna para todos).

No seu livro de ensaios “Fé e Vida Espiritual”, Yves Congar medita sobre a oração de intercessão “Santa Maria, Mãe de Deus”, e em particular sobre as palavras: “agora e na hora da nossa morte”. O que realmente importa, explica, é “a relação vertical de cada momento da nossa vida com Deus, nosso Fim, que torna esses momentos santos e aceitáveis para Ele”. Rezar diariamente, a cada momento, significa estar consciente da presença contínua de Deus e da nossa própria vulnerabilidade e pecaminosidade.

Para Cristo, o último momento é “a hora”, o momento da vitória, da sua morte triunfal na Cruz: A Cruz da Esperança que aponta para a sua Ressurreição (cf. Jo., 2, 4; 7, 30; 12, 27; 17, 1). A morte é o fim da vida, mas “não no sentido da sua conclusão, mas da sua realização; a morte é a fusão de duas vidas”. Congar continua: Não devemos ter medo da morte; o que importa é que este momento seja “vivido na presença de Deus”, como um momento de amor e de união com a morte de Cristo. Pedimos a Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, que “reze por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte”.

O MOMENTO E O AMOR – Para além da presença de Deus em cada momento, a nossa fidelidade ao momento exprime-se pelo seguimento e imitação de Cristo, em cada momento: Seguir e imitar Jesus neste momento é amar como Jesus amou em cada momento da sua vida terrena. São Paulo recorda-nos: “Vós sabeis que horas são, como é agora o momento de despertardes do sono…”. “Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (cf. Rm., 13, 11; Ib., 13, 12-14).

Ser fiel ao momento significa fazer em cada momento o que se deve fazer – com amor; cumprir com amor os deveres e obrigações quotidianos. “Deus não olha para a grandeza do trabalho que fazemos, mas para o amor que pomos nele” (Santa Teresa de Ávila, “Castelo Interior”).

Assim, o que mais importa na vida é o amor, um amor fiel e esperançoso. Na verdade, como cristãos, não podemos esperar sem fé, e a esperança e a fé têm pouco valor sem a caridade. A esperança é a virtude do peregrino; sem ela, não se pode caminhar com sentido. A verdadeira esperança, porém, é a fidelidade ao presente, ao hoje, a este momento, que é a única coisa que possuímos de facto.

Como cristãos, amamos este momento como algo que nos foi dado por Deus. Com o amor de Deus, damos aos outros um amor apaixonado, um amor entusiasta e alegre. Fazemo-lo “quando pomos nele [no nosso trabalho] o nosso coração, quando deixamos que o nosso amor o atravesse” (Anselm Grun).

Um amigo enviou-me um postal com este texto no verso: “Momentos felizes? Louvado seja o Senhor! / Momentos dolorosos? Confiai no Senhor! / Momentos de paz? Rezai ao Senhor! / Todos os momentos? Dai graças ao Senhor!”.

Alegres na esperança (cf. Rm., 12, 12), caminhamos com passos de amor para o abraço de Jesus, o Senhor.

Pe. Fausto Gomez, OP

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