«Macau mudou a minha vida»
Nasceu em Estremoz, no Alentejo, mas ainda jovem partiu para Portimão onde fez a Primária e completou o Curso Geral dos Liceus. Lisboa seria a próxima etapa, iniciando aí a sua ligação à música; primeiro, no Coro da Juventude Musical Portuguesa; depois, no grupo Almanaque, do qual foi fundador. Começou a trabalhar como funcionário no Conselho Superior Judiciário (hoje Conselho Superior da Magistratura), sendo convidado, em 1986, para a secretaria do Ministério Público em Macau, onde desempenhou funções durante quatro anos.
O CLARIM – Em Macau, os mais antigos, conhecem o seu trabalho como produtor e editor de discos de diversos projectos musicais. Pode fazer uma súmula dessa sua actividade, para conhecimento dos novos residentes?
JOSÉ MOÇAS – Macau foi um ponto de viragem na minha vida, por vários motivos. Aí nasceram os meus filhos e aí fundei a editora Tradisom, em 1992. Nunca imaginei que essa iniciativa acabasse por transformar em definitivo a minha vida, já que constitui a minha única actividade. Comecei por me dedicar à edição de discos de âmbito local, graças a uma bolsa de estudo oferecida pela Fundação Oriente para o estudo das músicas orientais. Esse primeiro disco, “Vozes e Ritmos do Oriente”, seria considerado, pelo jornal Sete, em 1993, um dos cem melhores álbuns editados em todo o mundo nesse ano. Foi um arranque brilhante. Depois editei o primeiro CD da Tuna Macaense, o disco mais vendido na Livraria Portuguesa durante muitos anos. Entre outras edições destaco o disco de Isabel Tello Mexia, “Goa, Macau, Timor”, gravado em Bombaim com a colaboração do grupo goês Gavana. Mas foi ainda em Macau que comecei o que viria a tornar-se o objectivo mais importante da Tradisom: a descoberta, aquisição recuperação e posterior edição de gravações antigas de fado. Editei uma série de seis discos intitulada “Arquivos do Fado” que tiveram enorme impacto em Portugal, já que a grande maioria das pessoas desconhecia a existência de gravações de fado tão antigas.
CL – Porquê o regresso a Portugal?
J.M. – O que motivou o meu regresso a Portugal foi o convite que em 1996 me foi feito pelo então Presidente da Comissão dos Descobrimentos, professor António Hespanha (que me conhecia de Macau) para tornar realidade uma ideia de projecto que vinha alimentando há anos e que acabou por ser a colecção oficial do Pavilhão de Portugal da EXPO98, uma colecção intitulada “A Viagem dos Sons”, constituída por doze discos que documentam a influência que os portugueses tiveram em determinadas regiões por onde passaram nesse seu périplo aventureiro desde 1500, colecção essa que foi considerada uma das mais importantes obras de etnomusicologia do século XX pelo Smithsonian Institute, através do seu presidente na altura, o professor Anthony Seeger.
CL – Como é ser produtor/editor de música no Portugal do século XXI? A Tradisom continua de pé?
J.M. – Com a evolução que tem acontecido nos últimos tempos, os avanços tecnológicos, o digital, as plataformas de venda e a pirataria, não é fácil conseguir viver em exclusividade da actividade editorial. Mas, felizmente, apesar das dificuldades tenho conseguido fazer algumas edições de enorme qualidade, não só no que se refere aos seus próprios conteúdos, mas também à sua apresentação. Tive sempre do meu lado os melhores, sendo importante destacar o Bibito, que agora está de volta a Macau, sem dúvida o melhor designer com quem trabalhei, e que recentemente me ajudou a colocar de pé uma edição única no panorama editorial de Portugal e que ainda vai dar que falar pela sua originalidade, rigor, qualidade gráfica e mais ainda pelo facto de ser um produto de enorme valor histórico. Estou a falar da colecção “Amália no Mundo – Memórias do Fado”. A Tradisom orgulha-se também de ter feito algumas edições muito importantes, destacando, a convite de Ramos Horta, o livro “Filhos de Timor Leste”, oferecido a todos os convidados no Dia da Independência de Timor. Muito teria a contar sobre que a Tradisom tem feito, mas por último referir que em 2010 conseguir resgatar para uma edição em parceria com o jornal Público o maior arquivo de vídeo sobre as nossas tradições musicais, a filmografia completa de Michel Giacometti, uma obra monumental de doze livros com DVD.
CL – Há um aspecto muito importante, no que se refere ao seu trabalho como editor. Pode falar-nos dele?
J.M. – Desde que regressei de Macau comecei a coleccionar discos portugueses de 78 rotações. Esse gosto pela descoberta das nossas raízes musicais levou-me a constituir a maior colecção desse formato em Portugal. Cerca de 6.600 discos, que nos vão possibilitar um dia editar os primórdios da gravação em Portugal, tendo em conta que a primeira sessão de gravações foi realizada em Novembro de 1900, no Porto. A colecção foi por mim doada em Novembro de 2012 à Universidade de Aveiro, estando desde essa altura, a convite do reitor da mesma, Manuel Assunção, como professor convidado auxiliar do DECA (Departamento de Comunicação e Arte).
CL – Foi durante muitos anos locutor da Rádio Macau. Sente saudades desses tempos? Em Portugal, voltou a fazer rádio?
J.M. – Quando saí do Tribunal fiquei a trabalhar em regime de exclusividade na Rádio Macau, onde já colaborava em “part-time”. Foram tempos que não mais esquecerei, graças à fantástica camaradagem existente. Curioso é que antes de ir para Macau tinha feito um teste na Rádio Comercial, onde era director na altura o Jaime Fernandes e havia sido convidado para fazer um programa sobre a chamada “world music”, a minha área predilecta. Mas com o convite para ir para Macau perdeu-se essa oportunidade. Mas fiquei a ganhar, porque desenvolvi uma enorme paixão pela Rádio, de tal forma que fiz alguns programas especiais que me deixaram muito satisfeito. Estou a lembrar-me de “Na Rota do Oriente” e “Na Rota do Sol Nascente”, ambos a convite da Comissão Territorial de Macau para as Comemorações dos Descobrimentos. Além disso produzi, em parceria com o Luís Machado e depois, mais tarde, também com o João Pedro Costa, o programa da Fundação Oriente intitulado “Café Oriente”, de que resultou uma amizade para a vida com o Luís Machado. Mas o programa que foi a minha imagem de marca foi a “Arca do Velho”, que durou vários anos e que deu a conhecer aos ouvintes da Rádio Macau a música produzida e editada no mundo inteiro.
CL – Entretanto regressou a Macau. O que mais o marcou, pela positiva e pela negativa, ao confrontar-se com a nova realidade?
J.M. – Regressei a Macau apenas depois anos depois de ter deixado o território, ou seja em 1999. Fui convidado a participar no Encontro das Comunidades Macaenses desse ano. Na altura não notei grandes mudanças, mas como vou acompanhado o que se passa em Macau, não só através do que os meus amigos publicam no Facebook, tenho a certeza de que se lá voltasse agora me perdia imediatamente. O que mais me agradou foi poder novamente comer a boa comida chinesa que aqui não se encontra infelizmente. Sou muito positivo em tudo e prefiro sempre recordar o que de melhor recebi da vida, por isso guardo tudo o que vivi com enorme prazer, mas sigo em frente, sem pensar no que poderia ter acontecido se não me tivesse vindo embora em 1997. Não está nos meus planos voltar em breve, não há motivo especial para isso, mas gostava que os meus filhos lá regressassem, porque afinal é a sua terra natal.
Joaquim Magalhães de Castro