Estado de desinformação
Andava há uns dias a conduzir a caminho de casa e liguei o rádio, que por acaso estava sintonizado na Antena 3, um dos canais de rádio do grupo RDP, tutelado pelo Governo. A Antena 3 está mais vocacionada para a música contemporânea. Penso que seria um Domingo, ao final do dia. Ao mesmo tempo que ia passando música electrónica, os locutores falavam de outros sons – alguns bem conhecidos da “malta” da minha idade, do tempo das discotecas de Macau (UFO, M3 e outros “spots”) – e sobre a história da música e seus intervenientes. Neste caso nem estava em causa os músicos, mas sim os produtores e outras pessoas que estiveram por trás de cada sucesso. Algo que raramente acabamos por saber na actual sociedade de consumo imediato. E o teor da informação, aliado à nostalgia dos sons, foram captando a minha atenção enquanto conduzia em direcção a casa.
Acontece que a pouco e pouco, dada a crescente intervenção de um dos interlocutores, comecei a fartar-me do que ia ouvindo. Não tanto pela informação, que era deveras interessante, mas pelo facto de um dos presentes estar completamente alucinado, a ponto de praticamente não se conseguir perceber o que ia dizendo, à excepção do que o outro camarada ia repetindo aos microfones. Sinceramente, acredito que estivesse sob o efeito de algo pouco aconselhável. Pior é que eram oito da noite – o programa apenas terminou à meia-noite – e ainda estavam acordados menores de idade, muitos deles a regressar de um dia de praia, passado com as famílias, que nos dias que correm muita dificuldade têm em transmitir valores aos mais pequenos, pois a falta de civismo e a ausência de princípios de vida em sociedade começa pelos maus exemplos dados ou promovidos pelo Estado.
Ainda se este lamentável episódio tivesse ocorrido noutra estação de rádio, poderia muito bem não estar a escrever estas linhas. O problema é que se trata de uma emissora estatal, paga com os impostos de todos os portugueses, pelo que os locutores e comentadores deveriam ser seleccionados por meio de critérios mais apertados, evitando assim situações como a ocorrida no tal Domingo.
E se o leitor pensa que este é um caso isolado, estou em condições de afirmar que não o é, sendo apenas um de muitos que retratam fielmente o que se passa na esmagadora maioria dos Órgãos de Comunicação Social em Portugal, seja eles direccionados para a informação ou para o entretenimento. A falta de qualidade e de rigor é de bradar aos céus e a qualidade do produto que chega aos consumidores é confrangedora.
Hoje nem os ditos Órgãos de Comunicação Social de referência, como já foram o jornal Público, no caso da imprensa escrita, a RTP 2, no caso da televisão, ou a Antena 1, no caso da rádio, passam incólumes.
Em Portugal raramente perco tempo a ler jornais ou a ver televisão. Quando ligamos a televisão é para a Maria ver desenhos animados ou alguma série na Netflix que escolhemos ao nosso gosto. Aquando da transmissão da Telescola, uma vez que os estabelecimentos de ensino estiveram fechados por força do Covid-19, ainda fui vendo alguns programa da RTP Memória que me fizeram recordar bons momentos televisivos vividos nos anos oitenta.
Quanto à informação noticiosa, se há algo que me puxa a atenção, procuro filtrar o que vou vendo e ouvindo, recorrendo a vários canais de televisão, às rádios e às redes sociais. Isto é, nunca me restrinjo a apenas uma fonte.
Das poucas vezes que sou obrigado a ver um noticiário, estando a televisão, regra geral, ligada na RTP ou na popular CMTV, fico revoltado com tanta falta de rigor e com a leviandade com que se fazem certas afirmações, na maioria das vezes em directo para milhões de pessoas. O direito ao contraditório e a regra básica de se ouvirem todas as partes é algo que os jornalistas em Portugal parecem ter esquecido. Segundo me tem sido dito por alguns “velhos” profissionais ainda ligados ao sector, os jornalistas são hoje obrigados a ter “amnésia” por quem lhes paga o salário. E se assim não for, todos os anos há milhares de novos licenciados à espreita de uma oportunidade.
Ainda tenho alguns colegas de curso ligados ao jornalismo, nas mais variadas facetas e funções, assim como alguns dos meus antigos professores. Em conversas que vamos trocando, é habitual o relato de casos de coação junto de quem tem por obrigação manter-nos informados de forma imparcial, ao contrário do que acontecia nas décadas de oitenta e noventa, em que um jornalista era muitas vezes premiado por se manter neutro dentro das redacções. Isto explica o actual panorama dos média portugueses, cuja informação que emanam é tudo menos isenta. Os que não pactuam com as administrações dos OCS acabam por mudar de vida e procurar outras actividades profissionais.
Numa comparação, ainda que algo superficial e feita de longe, dou muitas vezes por mim a pensar que a qualidade da informação dos jornais de língua portuguesa em Macau é muito superior à dos seus congéneres de Portugal. O que também muito dificilmente se consegue explicar, dado que a imprensa em Macau mais facilmente poderia ser controlada, tendo em conta a dimensão do território e a proximidade entre o poder política e a sociedade em geral. Como é do conhecimento público, os OCS portugueses e chineses sempre sobreviveram com os apoios do Governo.
Quando desempenhava funções de jornalista em Macau ouvia recorrentemente dos meus camaradas em Portugal que a informação em Macau era tendenciosa, estando ao serviço do Governo, precisamente porque recebíamos apoios do Governo. Nos dias que correm, os mesmos camaradas são os primeiros a afirmar que nem mesmo durante a Administração Portuguesa de Macau a informação era tão tendenciosa e pouco factual como é hoje em Portugal.
Para quem viveu a informação por dentro, é triste ver a que ponto chegou a profissão de jornalista em Portugal. E o quão fácil é manipular a população portuguesa, que cegamente em tudo acredita sem nada questionar.
João Santos Gomes