ILHAS DE SÃO LÁZARO – 6

ILHAS DE SÃO LÁZARO – 6

Forte Fuerza de San Pedro

No interior do triangular forte Fuerza de San Pedro, que para além do bastião à Nossa Senhora da Conceição dedica um outro a São Miguel e um terceiro a Inácio de Loyola (abriga-se, o dito, de loba e barrete com pompom, num conveniente nicho), estendem os ramos volumosas árvores e junto a um escamado e ferrugento canhão resguardam-se e acomodam-se bonsais e flores nos respectivos vasos. A diferença desta peça, por oposição às restantes que espreitam as muralhas e em vez do horizonte desimpedido deparam com o edifício dos serviços administrativos do porto de Cebu, e ainda uns quintais de humildes lares – peças muito mais recentes e à noite alumiadas pelos candeeiros seus vizinhos –, é que ela, dada o seu estado de decomposição, nos parece remeter para os idos em que por cá andou Miguel López de Legazpi, recordando nós aqui que um dos patachos da sua imponente armada tinha como piloto um tal Filipe Martins, “português mulato natural do Algarve”, como nos informa o pouco conhecido cronista António Pinto Pereira na sua obra “História da Índia no tempo em que a governou o vice-rei Dom Luís de Ataíde”, publicada na íntegra em 1616.

Atribui-se ao navegante biscainho a autoria desta edificação destinada a proteger o pueril e tímido assentamento dos ataques intermitentes dos nativos, que, com toda a legitimidade, se opunham à tentativa de colonização. Ora, a inesperada presença castelhana cedo chegaria ao conhecimento dos portugueses estacionados mais a sul, senhores e conhecedores dos mares circunvizinhos. Em 1566, um ano após a entrada asiática do El Adelantado, espreitavam o litoral de Cebu as fustas de Simão de Melo e de Mem de Ornelas, capitães da armada do minhoto Gonçalo Pereira Marramaque, que a mando do vice-rei D. Antão de Noronha demandara Malaca e as Malucas numa missão de reconhecimento do estado do trato nas ilhas das especiarias. Foram os portugueses recebidos pelos castelhanos com toda a cortesia, justificando estes a sua presença num território ao qual juridicamente não tinham direito (o Tratado de Saragoça assim o decretava) com uma terrível tormenta que os extraviara da sua rota, estando agora ali “aguardando recado do seu rei”.

Em Junho de 1577, novos emissários, António Lobo e Baltasar de Sousa, munidos com cartas destinadas a Legazpi, pisavam solo cebuano. Também eles seriam recebidos de braços abertos e tratados “com todo o comprimento e mostras de amizade”, estando de regresso às Malucas, em Outubro, com a resposta do espanhol, como sempre, muito cortês mas “sem substância ou conclusão”. Ou seja, e em bom Português, López de Legazpi fazia-se desentendido, procurando com isso, claramente, ganhar tempo. À terceira, Gonçalo Marramaque decide ir ele próprio inteirar-se dos reais propósitos daquelas centenas de castelhanos que tanto tempo se demoravam naquelas ilhas, não sem antes concluir a “campanha de pacificação” de Amboíno, tarefa que lhe ocuparia a metade do ano de 1568 e o obrigaria a esperar pelos ventos da monção que só chegariam em Agosto, altura em que rumou a norte. Desta vez, graças à experiência das viagens precedentes, o caminho foi mais directo, e nos primeiros dias de Setembro de 1568 chegava a armada à vista de Cebu, tendo-se-lhe nessa altura juntado um galeão vindo de Malaca comandado por João Rodrigues de Beja.

Alertado em terra, tratou logo o espanhol de enviar à frota portuguesa dois dos seus capitães munidos com presentes, víveres e palavras de afecto. Na verdade, a humildade do capitão basco não passava de um manhoso ardil. Legazpi, aguardava apenas a chegada dos homens que trazia dispersos pela ilha, em busca de mantimentos, e aos quais, à vista da armada portuguesa, se apressara a mandar chamar. Entrementes, salienta o cronista, não cessou o militar castelhano de trabalhar “muito continuadamente na obra de uma fortaleza que tinha começado a fazer de troncos de palmeiras, com entulho de terra e faxina, em uma ponta de areia sobre o mar”, onde, de resto, mandaria instalar cinquenta canhões, “como boa guarnição e muitas munições”. Duas semanas volvidas, Legazpi, agora com os seus homens por perto – o cronista contabiliza 450 soldados, “dois terços deles arcabuzeiros” –, muda radicalmente de atitude. Em vez de humildade, mostra soberba; em vez de palavras gentis, fala grosso e passa a tratar o congénere português como inimigo, abrindo claramente as hostilidades ao mandar apontar duas peças de artilharia aos navios lusos surtos na baía. Do gesto ao acto foi uma questão de horas e travar-se-ia então uma batalha, entre os aquartelados no recém construído forte de San Pedro e os portugueses estacionados no mar, que duraria toda a noite e todo o dia seguinte, a qual, curiosamente, não vem mencionada em nenhum dos livros de história sobre as Filipinas nem tão pouco a registam qualquer um dos inúmeros quadros, ilustrações e placas que nas paredes do interior do forte nos mostram todos os outros episódios que marcaram os primórdios do estabelecimento desta cidade.

Joaquim Magalhães de Castro

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