ILHAS DE SÃO LÁZARO – 26

ILHAS DE SÃO LÁZARO – 26

Os olhares de Carletti e Teixeira

Uma viagem entre Macau a Manila, naqueles remotos séculos XVI e XVII, demorava entre quinze a vinte dias; e, se realizada fora da época das monções, não apresentava grandes surpresas ao nível da navegação. Ademais, os pilotos portugueses haviam desenhado já pormenorizados roteiros que proporcionavam aos capitães do trato navegações tranquilas nos mares da China e do grande Sul, aquele que é hoje conhecido como o Sudeste Asiático.

Bem acondicionados nos porões dos galeões castelhanos que da Nova Espanha (México) e do vice-reinado do Peru demandavam o arquipélago filipino, o ouro e prata eram os bens mais solicitados pelos mercadores portugueses no porto de Manila, pois bem sabiam o quanto eram valorizados no interior da imensa China. O seu valor aí superava, de longe, o alcançado na Europa, daí que tais metais preciosos (sobretudo a prata) começasse a afluir a Macau “juntamente com produtos das Filipinas, onde se destacavam o arroz, o açúcar, cera, cordame, conchas para persianas e os frutos tropicais”, como nota o historiador João Manuel Garcia num seu trabalho histórico sobre as relações históricas entre Portugal e as Filipinas. Como moeda de troca, os portugueses forneciam “sedas e porcelanas”, aos quais se juntavam bens menos nobres como o cobre, o jade, os tecidos indianos, as armas e as munições.

Tal era a ânsia do lucro que houve quem não hesitasse em fazer negócio por conta própria, tentando fintar os planos da Coroa; da Coroa de Castela, no particular caso do galeão espanhol San Martín, saído de Manila com destino a Acapulco mas que seria desviado pelos amotinados tripulantes que depois de pôr a ferros o capitão Francisco Mercado velejaram para Macau com o intuito de ali carregar seda e outras mercadorias chinesas, antes de largar todo o pano para a longa travessia até ao Novo Mundo. A operação, porém, demoraria mais tempo do que o previsto e o San Martín ancorava ainda ao largo de Macau quando, em Março de 1584, o avistou o nosso já conhecido Bartolomeu Vaz Landeiro, preparado para mais uma viagem a Manila. Aí chegado, informou o governador Diego Ronquillo que de imediato expediu navio seu a Macau “com o feitor da Fazenda Real, Juan Bautista Román, e o jesuíta Alonso Sánchez, chegando a esta cidade em 1 de Maio, onde prenderam e condenaram os culpados do motim”. Com nova e fiel guarnição pôde, enfim, o San Martín rumar ao afamado porto da Nova Espanha. Um ano antes, como nos lembra José Manuel Garcia, “fora criado em Macau um senado, instituição superior de administração local que reforçava o poder e a autonomia da oligarquia mercantil dos portugueses que ali centravam os seus negócios, contribuindo também para uma melhor organização da cidade, tendo em atenção, nomeadamente, os interesses expansionistas dos espanhóis fixados em Manila”.

Muito menos se saberia sobre as relações entre Macau e as Filipinas sem as impressões registadas pelos viajantes que por ambas estas cidades passaram. A 25 de Março de 1596 Francesco Carletti e o seu pai Antonio, mercadores de Florença, partiram de Acapulco e, 66 dias depois, atravessado o Pacífico, chegaram às Filipinas. Quando informaram o governador espanhol da sua vontade de ir a Macau este recusou a passar-lhes as devidas credenciais pois, por ordem do rei de Espanha, “quem fosse das Filipinas para a China perderia os bens, sendo aí preso e enviado para Lisboa”. Para contrariar tão desagradável decreto, decidiram os florentinos, em Maio de 1597, partir clandestinamente de Manila num navio japonês com destino a Nagasáqui, onde permaneceram até 3 de Março de 1598. Partiram depois para Macau “realizando a viagem em doze dias num navio cujo capitão era filho de pai português e mãe japonesa, tendo a companhia de vários portugueses”.

A presença dos Carletti em Macau, apesar do apoio dos jesuítas com quem tinham viajado e a quem pediram “que lhes guardassem os seus bens, pois receavam que os portugueses lhos tirassem”, não passou despercebida e em breve viam-se enfiados num calabouço e sujeitos a um rigoroso interrogatório pois os residentes do florescente entreposto “tinham sabido que haviam estado nas Filipinas e eram ciosos em manter a proibição de comércio entre portugueses e espanhóis”. Elevada caução e a promessa de embarcar no próximo navio com destino à Índia libertou Francesco da desdita, mas não o seu pai, que na Cidade do Nome de Deus deixou os ossos. Malaca e Goa foram passagens obrigatórias antes do regresso de Francesco à Europa, em 1602.

Também o português Pedro Teixeira, contemporâneo de Carletti e tal como ele circum-navegador, passou por Manila, só que em sentido contrário. Teixeira rumou ao Índico, via Cabo da Boa Esperança, mas decidira regressar a Portugal pela rota de Acapulco “para encurtar caminho e ver mundo”. A sua chegada, a 22 de Junho, à “baía de Cavite, porto da ilha e cidade de Manila, cabeça e governo das ilhas de Luçon, que assim as chamam os naturais, e são as que nós dizemos Filipinas”, seguiu-se após prolongada estada em Malaca de onde levou recado do capitão-mor Martim Afonso de Melo, advertindo os espanhóis da entrada em cena dos navios holandeses.

Conclui José Manual Garcia: “Talvez tenha sido o facto de levar tais informações que permite explicar a concessão das facilidades que lhe foram acordadas pelos espanhóis no embarque em uma das naus que ia para Acapulco, pois como o nosso viajante reconheceu a sua partida para essa cidade mexicana foi autorizada por uma licença que o governador só dava ‘com muita dificuldade’ e ‘por grande favor’ do capitão do navio que partiu de Manila em 18 de Julho de 1600, o qual tinha uma carga avaliada em 400 000 ducados e levava poucas armas”. Pedro Teixeira chega a Acapulco no primeiro dia de Dezembro de 1600 e vai depois para Havana onde permanece até Julho do ano seguinte. Em Setembro desembarca em Sevilha e um mês depois chega a Lisboa, concluindo assim a sua volta ao mundo.

Joaquim Magalhães de Castro

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