ILHAS DE SÃO LÁZARO – 25

ILHAS DE SÃO LÁZARO – 25

Entre Macau e Manila

Graças a diversas fontes da época podemos confirmar as relações estreitas de Bartolomeu Vaz Landeiro com as Filipinas, a China e o Japão, tornando-se o comerciante português, neste último país, um símbolo da autoridade de Macau, ajudando os jesuítas a edificar igrejas, dotando-os com dinheiro para as suas missões no terreno e “apoiando os seus aliados políticos com armas e dinheiro”, como nos conta o investigador Lúcio Sousa num apontamento subordinado ao tema do comércio legal e clandestino nos primórdios de Macau. Denominavam-no de “rei dos portugueses”, tal era a sua reputação. E Landeiro, para a perpetuar, na pena do jesuíta espanhol Francisco Colin, autor do Labor Evangélica de la Compañia de Jesus en las Islas Filipinas, “ia a todos os lugares de um séquito de portugueses ricamente vestidos e corpo de guarda composto por oitenta escravos, muçulmanos e negros, armados com alabardas e escudos”. No fundo, vestia-se e agia sempre como um rei, e em Cantão ajudaria as autoridades chinesas a combater a endémica pirataria, chegando a dar caça ao temível Lin Daoqian em águas vizinhas ao Sião.

A luta contra a pirataria beneficiava tanto os portugueses – “que assim viam salvaguardada a sua presença em Macau e as boas relações diplomáticas com as autoridades chinesas, eliminando possíveis concorrências e rivalidades comerciais” – como os chineses, que viam nesses bárbaros ocidentais uma força militar de considerável importância, conveniente patrulha no Mar da China e “uma força comercial vigorosa, com capacidade de fornecer à China prata e ouro” e trazer riqueza aos seus portos e às suas comunidades mercantis, sempre abundantes, em gente e iniciativa, em toda aquela região.

Em 1583, Landeiro representaria a cidade de Macau nas Filipinas e aí assinaria um acordo comercial consubstanciado nos três navios que para ali enviou, “os primeiros a navegar de Macau para Manila”; navios esses – recorde-se – fundamentais para a recuperação da economia de uma Manila profundamente abalada pelo grande incêndio de 1583, e também para assegurar a sua defesa face à eminente possibilidade de uma rebelião por parte da comunidade chinesa, “composta pelos designados sangleys”, contra os colonizadores espanhóis. Não foi preciso muito tempo para que os navios de Landeiro começassem a competir com os juncos chineses no que concerne à actividade comercial na ilha de Luzon, e dever-se-ia a um sobrinho seu, Vicente Landeiro, o primeiro contacto entre os espanhóis agora estabelecidos em Manila e o Japão, mais propriamente o porto de Hirado, onde o navio de Landeiro aportaria a 4 de Agosto de 1584.

As mercadorias transportadas nas embarcações do comerciante macaense eram, predominantemente, ouro, marfim e escravos, africanos ou asiáticos, sendo este facto referenciado não apenas em Goa, Macau e Manila, mas também na China e no Japão. Provinham os ditos escravos, na sua maioria, das colónias portuguesas, “sobretudo Moçambique, porto de escala anual e regular da rota da Índia”. Sobre este assunto elucida Lúcio Sousa: “Quanto aos outros escravos, principalmente os de origem asiática, embora os documentos sejam omissos nessa matéria”, eles seriam obtidos principalmente através de incursões no interior e razias litorais, “práticas comuns nas águas e zonas costeiras do Sudeste asiático”. O próprio capitão Landeiro, a acreditar nas fontes castelhanas, fazer-se-ia acompanhar por um exército pessoal composto por escravos, “alguns dos quais possivelmente africanos, pois eram considerados os mais aptos para a guerra”.

Após 1585, a estrelinha de Bartolomeu Vaz Landeiro foi esmorecendo progressivamente e a sua vasta rede comercial, de tão estendida, começava a dar sinais de rompimentos vários, o que culminaria com o seu inevitável esfarelamento. Acresce a este facto “o insucesso de muitos dos seus investimentos e o crescente aumento das dívidas”. Num ápice deixou Landeiro de ser personagem principal da vida política e económica de Macau, e pouco tempo depois, em data e circunstâncias que se desconhecem, morreria deixando um vazio de poder em Macau, como se vê claramente “nas crescentes queixas e distúrbios ocorridos em 1588”, como nos lembra Lúcio Sousa, que a este fascinante personagem consagrou alguns estudos e uma obra completa intitulada “Primórdios da presença europeia na China, Japão, Filipinas e Sudeste da Ásia, (1555-1590) – A vida de Bartolomeu Landeiro”.

Conclui o historiador que, em geral, “grande parte das relações entre a Europa e a Ásia durante a segunda metade do século XVI ocorreu através desses comerciantes particulares e das suas respectivas redes informais de comércio ilegal. A chamada ‘sub-negociação’ foi muito significativa não apenas para os comerciantes de Macau, mas também para as finanças da cidade”. Acredita Lúcio Sousa que esse trato informal durante o século XVI “representou realmente uma parcela significativa da economia anual de Macau”. Contudo, dado que era considerado ilegal pelas autoridades portuguesas, “esse comércio é omitido na maioria das fontes oficiais”.

Joaquim Magalhães de Castro

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