Catolicismo na Coreia floresceu com os mártires.
A Igreja Católica celebrou ontem o Santo André Kim Taegon e seus companheiros (mais de uma centena de mártires) – leigos e sacerdotes do século XIX que abraçaram Cristo até ao último suspiro. A 6 de Maio de 1984, na praça Youido, em Seul, descia sobre eles a coroa celeste da santidade, aquando da sua canonização pelo Papa João Paulo II (a primeira cerimónia deste teor realizada fora do Vaticano), entre uma grande multidão de cristãos coreanos. A Igreja determinou o dia 20 de Setembro para a respectiva celebração anual litúrgica. Nesse âmbito, a paróquia de Santo António assinalou a data com a realização de uma missa na passada quinta-feira.
André Kim Taegon nasceu no dia 21 de Agosto de 1821, numa família nobre coreana, profundamente cristã, em Solmoe, Dangjin, na Coreia do Sul. Hoje, este lugar acolhe um santuário católico. O seu pai, devido às perseguições, havia formado uma “igreja particular” em casa, nos moldes da Igreja primitiva, onde se rezava, pregava o Evangelho e se recebiam os Sacramentos. Tudo corria dentro da normalidade, até o pai ser denunciado. Acabou por morrer aos 44 anos, por não renegar a sua fé em Jesus Cristo.
André Kim, na altura com quinze anos, sobrevive às perseguições, graças à ajuda dos missionários franceses que o enviaram para a China. Depois de baptizado pelo padre francês Pierre Philibert Maubant, caminhou durante meio ano até chegar a Macau para estudar Catolicismo. Foi seminarista entre 1837 a 1842. Durante o período que esteve em Macau, André Kim tinha por hábito frequentar a igreja de Santo António. Em Xangai foi ordenado sacerdote pelo bispo (também francês) D. Jean Joseph Ferreol, tornando-se o primeiro padre coreano.
Em 1845 André Kim regressou à Coreia juntamente com D. Jean Joseph Ferreol e o padre Marie Nicolas Antoine Daveluy, dedicando-se ao trabalho missionário. Devido à sua condição de nobre e por ser conhecedor dos costumes e pensamento locais, foi bem sucedido nos trabalhos de evangelização. A pedido do bispo, tentou introduzir os missionários franceses da China na Coreia, contando com a ajuda dos pescadores chineses. Nesta missão de risco, André Kim foi preso e enviado para a prisão central em Seul, acusado de ser líder de uma seita herética e traidora do País. Outros membros da comunidade crente, inclusivamente os seus familiares, também foram descobertos.
Por pertencer à nobreza, André Kim foi interrogado pelo rei, com o objectivo de renegar a fé e denunciar os seus companheiros. Como não cedeu, foi severamente torturado por um longo período, acabando por ser decapitado no dia 16 de Setembro de 1846, em Seul. Um século após a sua morte é canonizado por Karol Wojtyla, sendo reconhecido para a eternidade como Santo André Kim Taegon.
Em Macau, a memória do mártir coreano mantém-se viva. No Jardim de Camões encontra-se uma estátua do Santo André Kim, doada pela Igreja Católica na Coreia à diocese de Macau em 1986. A igreja paroquial de Santo António – cujo actual pároco, o padre Pedro Lee, é coreano – também ostenta uma escultura de madeira (oferecida por católicos coreanos que vivem em Hong Kong) e uma relíquia do Santo.
Curiosamente, no próximo dia 29 de Setembro, será ordenado o diácono coreano James Chang BMC, na igreja da Sé Catedral de Macau, pelas 15 horas, por D. Stephen Lee.
AS RAÍZES DA IGREJA NA COREIA
A Igreja surgiu na Coreia no início de 1600. Conta com uma particularidade muito especial: foi fundada e implantada somente por leigos, a partir dos contactos das delegações coreanas que anualmente visitavam Pequim, onde tomaram conhecimento do Cristianismo. O leigo Lee Byeok, inspirado pelo livro do padre jesuíta Matteo Ricci, intitulado “A verdadeira doutrina de Deus”, fundou a primeira comunidade católica activa da Coreia. Lee Byeok foi perseguido e depois de quinze dias de jejum morreu aos 31 anos de idade. Por isso é considerado o primeiro mártir da “Igreja Coreana”.
As visitas à China haviam de continuar, tendo os cristãos coreanos sido informados pelo bispo de Pequim que as suas actividades precisavam de seguir a hierarquia e organização ditadas pelo Vaticano, tendo de ser lideradas por um sacerdote consagrado, o qual foi enviado oficialmente para a Coreia em 1785.
Em pouco tempo a comunidade católica cresceu, contabilizando milhares de fiéis. No entanto, começaram a ser perseguidos pelos governantes, os quais promoveram uma verdadeira carnificina entre 1785 e 1882 – registaram-se mais de dez mil mártires – na tentativa de eliminarem o Cristianismo. Porém, desconheciam que “o sangue dos mártires é uma semente de cristãos”, como já o dissera Tertuliano no século II.
A Igreja Católica na Coreia do Sul é a que mais cresce actualmente na zona do Pacífico. Aproximadamente trinta por cento da população, dos mais de 51 milhões de sul-coreanos, é cristã, sendo onze por cento católicos. Hoje há mais de 5,5 milhões de católicos na Coreia do Sul.
RELAÇÃO COM MEDJUGORJE
Os sul-coreanos estão entre os muitos grupos de peregrinos que viajam pelo mundo em direcção a locais religiosos. Um desses exemplos é Medjugorje, na Bósnia-Herzegovina. Há uma particularidade de Medjugorje internacionalmente conhecida: a estátua de Nossa Senhora Rainha da Paz, localizada e abençoada na Colina das Aparições em 2001, no lugar onde os videntes tiveram a primeira aparição da Santa Mãe de Deus em Junho de 1981, foi encomendada e oferecida à paróquia de Medjugorje por um casal coreano, em acção de graças por um maravilhoso milagre que a sua família recebeu por intercessão da Virgem Santíssima.
O casal tinha um filho surdo-mudo e levaram-no a Medjugorje na esperança de uma cura milagrosa. Com muita fé e perseverança, o milagre deu-se passados três meses. A mãe arrendou uma casa na pequena vila e ali permaneceu sozinha com o filho, em silêncio, dor e ansiedade. As suas orações e sacrifícios deram fruto, pois a Mãe de Deus a presenteou com a graça que tanto esperava e a criança ficou curada.
Esta escultura de Nossa Senhora em Medjugorje ficará para sempre ligada à Coreia, até porque os desígnios de Deus assim o têm confirmado: em 2015 a imagem foi vandalizada, tendo escultores ido de Itália para reparar os danos. O restauro ficou concluído a 6 de Maio, curiosamente na mesma data que em 1984 o Papa João Paulo II canonizou André Kim Taegon e os seus companheiros mártires….
Miguel Augusto
com Franciscanos (OFM)