A vergonha que salvou Pedro.
Como se sabe, Francisco fala frequentemente do sacramento da Confissão mas, na homilia do passado dia 6 de Setembro, surpreendeu os fiéis ao explicar por que é tão importante experimentar concretamente o «sentimento da vergonha» e a «surpresa de se sentir salvo».
O Evangelho da Missa narrava o episódio da primeira pesca milagrosa. Os barcos estavam em terra e os pescadores lavavam as redes. Jesus subiu para o barco de Pedro e pediu-lhe que se afastasse ligeiramente da margem, para falar à multidão. Quando acabou, disse-lhe que avançasse para o largo e lançasse as redes para a pesca. Tinham labutado toda a noite em vão… «mas, já que o dizes». De repente, as redes enchem-se tão completamente que começam a romper-se. Fazem sinal ao outro barco para os ajudar e a acumulação de peixe foi de tal ordem que os dois barcos quase se afundavam.
Ao ver o sucedido, Simão Pedro lançou-se aos pés de Jesus e disse-Lhe: «Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador». Na verdade, o temor tinha-se apoderado dele e de todos. Jesus disse a Simão: «Não temas. Daqui em diante serás pescador de homens».
Esta pesca, ao início da vida pública de Jesus, está em relação com aquela que ocorreu depois da Ressurreição. «Em ambos os momentos – observou o Papa –, no princípio da vida apostólica de Pedro e no fim, há a unção de Pedro. No primeiro caso, diz-lhe: “Tu serás pescador”. No final diz-lhe: “Vai e apascenta as minhas ovelhas”. Fá-lo pastor».
«Também na última pesca, no milagre final, (…) Pedro se atira de joelhos dizendo: “Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador”».
«O primeiro passo decisivo de Pedro no caminho de discípulo de Jesus é acusar-se a si mesmo: “Sou um pecador”. Foi o primeiro passo de Pedro e é o primeiro passo de cada um de nós, se queremos progredir na vida espiritual».
Não basta acusar-se no início da Missa, ou numa confissão apressada. «Tu sentes o que Pedro sentiu? O Evangelho diz que “o invadiu um profundo assombro”. Quando te acusas, acusas-te cheio de assombro? Ou dizes “sim, sou pecador, vamos andando…” (…), como quem diz “sou humano”, ou “sou cidadão italiano”. É preciso mais: acusar-se a si mesmo, sentir a própria miséria, sentir-se miserável, paupérrimo, diante do Senhor. O sentimento da vergonha. Não bastam as palavras, é preciso senti-lo no coração, é sempre uma experiência concreta».
«Quando Pedro diz: “afasta-Te de mim, que sou um pecador”, tinha no coração todos os seus pecados e via-os. Sentia-se verdadeiramente pecador. E a seguir sentiu-se salvo. A salvação que nos leva a Jesus necessita desta confissão de pecadores. De uma confissão que brota do coração, de uma confissão sincera, porque a salvação que Jesus nos traz é sincera, chega ao coração». Doutro modo, não se pode experimentar «o assombro de Pedro».
Acusando os próprios pecados no sacramento da Confissão, «que cada um de nós, diante do Senhor, viva a vergonha e depois o assombro de ser salvo». O comentário final do Papa foi uma oração: «que hoje o Senhor nos dê a graça de nos encontrarmos diante d’Ele com este assombro que é fruto da sua presença e com a graça de nos sentirmos pecadores, de modo concreto, para dizermos como Pedro “Afasta-Te de mim, que sou pecador”. Assim cresceu a vida de Pedro, até àquela outra pesca final, quando Jesus o fez pastor do seu rebanho».
Partilho um desabafo, pensando na necessidade de rezar mais pelo Papa e por todos. É doloroso ver a agressividade de alguém contra o Papa, amplificada por alguma Comunicação Social. A acusação de que os últimos Papas, sobretudo o actual, tenham sido condescendentes com os crimes de pedofilia choca com a evidência, mas o ponto fundamental nem é essa visão distorcida dos factos. A Igreja assenta numa Rocha escolhida pelo próprio Cristo: para onde resvalamos se nos esquecemos de amar o Papa como Cristo o ama?
José Maria C.S. André
Professor no Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa