GUARDIÕES DAS CHAVES – 42

GUARDIÕES DAS CHAVES – 42

Persistência do monotelismo: Severino, João IV, Teodoro I

SEVERINO

(Eleição: 15.X.638. Posse: 28.V.640. Término: 2.VIII.640)

Severino, o 71.º Pontífice Romano, foi eleito três dias após a morte de Honório I. Demorou mais de um ano e meio até que pudesse assumir o cargo.

Qual a razão do atraso entre a eleição e o início do Pontificado? Lembramos que durante o reinado do imperador bizantino Justiniano (527-565) foram lançadas campanhas para reconquistar territórios no Norte de África, Itália e Espanha, que haviam sido perdidos para o Império Romano Ocidental. Os seus generais, Belisário e Narses, derrotaram os vândalos e os ostrogodos. Justiniano exigiu então que o novo Papa eleito buscasse a confirmação do imperador antes de assumir o cargo. Esta prática cesaropapista ainda era seguida na época da eleição de Severino. E assim Roma enviou emissários a Constantinopla para obterem a tão necessária confirmação.

O imperador Heráclio exigiu que o Papa assinasse uma fórmula de fé denominada Ecthesis (Grego: “exposição da fé”), em que rejeitaria o monofisismo (apenas uma natureza em Cristo) e a substituiria pelo monotelismo (apenas uma vontade em Cristo). O monotelismo, no entanto, era tão herético quanto o monofisismo. A Igreja sempre professou duas vontades em Cristo – uma vontade humana e uma vontade divina, uma vez que Cristo possui duas naturezas (dois princípios de operação) – humana e divina. O Papa recusou-se a assinar.

A fim de pressionar o Papa a aceitar a Ecthesis, o exarca Isaac de Ravena (representante do imperador Heráclio em Itália) ocupou o Palácio Lateranense em Roma e saqueou o tesouro papal, alegando que o Papa estava a reter os salários dos soldados. Não funcionou: Severino manteve-se firme, humilde e paciente. Entretanto, os enviados a Constantinopla lidaram com firmeza e tacto com o imperador, que finalmente concordou em reconhecer o Papa.

Logo que assumiu o cargo, Severino condenou a Ecthesis e reiterou o dogma de que como em Cristo havia duas naturezas, também havia nele dois intelectos e duas vontades.

Severino já estava avançado em idade quando assumiu o cargo, tendo morrido cerca de dois meses depois. Durante o seu breve Papado, construiu a abside da antiga Basílica de São Pedro. E nesta foi sepultado.

JOÃO IV

(24.XII.640 – 12.X.642)

O Papa João IV nasceu na Dalmácia, uma região localizada na actual Croácia e Montenegro, na costa leste do Mar Adriático. Tal como o seu predecessor, era firmemente contra a heresia monotelita ou de vontade única. Durante o Pontificado de João IV, o imperador Heráclio finalmente regressou à verdadeira fé.

João IV também defendeu o Papa Honório daqueles que o acusavam de favorecer o monotelismo. Explicou que o Papa Honório dizia que a ideia de “única vontade em Cristo” significava que as duas vontades de Cristo não se contradiziam. Após o sucesso do Papa Honório em convencer a Igreja do Sul da Irlanda a alinhar a sua Páscoa com a prática romana, João IV tentou fazer o mesmo com a Irlanda do Norte, mas não conseguiu durante o seu Pontificado.

O Papa João IV também enviou ajuda à sua terra natal, a Dalmácia, que estava a ser sitiada pelos povos eslavos: nomeadamente os sérvios e os croatas. Enviou um abade com dinheiro para resgatar os cativos dos eslavos. Além disso, trabalhou para converter os bárbaros à fé. Os sérvios tornaram-se predominantemente cristãos ortodoxos orientais, enquanto os croatas são maioritariamente católicos romanos.

João também mandou trazer para Roma as relíquias dos santos da Dalmácia, uma vez que as igrejas foram irremediavelmente destruídas. Ergueu um oratório em sua honra, agora conhecido como Capela de São Venâncio, na Basílica de São João de Latrão.

TEODORO I

(24.XI.642 – 14.V.649)

Nascido em Jerusalém, de ascendência grega, Teodoro I cuidou particularmente dos pobres e das igrejas em Roma. Este Pontificado foi dominado pelo problema persistente do monotelismo (heresia da vontade única) trazido pela constante intromissão do imperador na Teologia. “Teodoro não se esquivou das dificuldades que enfrentou. Lutou continuamente para trazer de volta a unidade cristã. E manteve-se ocupado. Chegavam cartas de Chipre e da África a pedir a protecção do papa contra a heresia. Em Constantinopla, o patriarca Pirro tinha sido deposto [por razões políticas] e substituído por Paulo. O papa insistiu que Pirro deveria ter um julgamento justo” (Brusher & Borden, “Popes through the Ages”, pág. 146).

Teodoro I escreveu ao imperador Constâncio II, bem como a Paulo, que os procedimentos legais adequados não foram seguidos para destituir Pirro e, portanto, ele não podia reconhecer Paulo como o novo Patriarca. Teodoro I argumentou que a elevação de Paulo era anticanónica porque o seu predecessor, Pirro I, havia sido destituído por razões políticas e não através dos canais eclesiásticos adequados. Além disso, Paulo era um defensor da heresia monotelita, tal como Pirro.

Entretanto, Pirro retratou os seus erros perante o Santo Padre, mas parece que os voltou a cometer e foi excomungado pelo Papa em 648.

Paulo convenceu o imperador Constâncio II a emitir um documento conhecido como “Typos” (ou Tipo), ordenando que se parasse de discutir se havia uma ou duas vontades em Cristo. O “Typos” foi amplamente condenado pela Igreja Ocidental. Paulo maltratou os enviados papais e foi excomungado em 649.

O Papa Teodoro I morreu sem ter resolvido a questão. Havia rumores de que havia sido envenenado. O Papa Martinho I herdou estes problemas.

Paulo foi posteriormente declarado herege no Terceiro Concílio de Constantinopla (680-681), onde o monotelismo foi oficialmente condenado pela própria Igreja Bizantina.

Pe. José Mario Mandía

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *