Perseguidos e Esquecidos?
“De acordo com alguns relatórios, os crentes da China sofreram em 2014 as perseguições mais duras algumas vez vistas durante mais de uma década: a ONG ‘China Aid’ registou 572 casos de perseguição religiosa em 2014, por comparação com 143 no ano anterior – e mais líderes religiosos foram detidos, 449, por contraste com 54 em 2013.
Um dos problemas mais significativos durante o período em análise foi a demolição dos bens da Igreja. Diversos edifícios na província de Zhejiang – em particular na cidade costeira de Wenzhou – foram atingidos em 2014. Sob o pretexto de remover estruturas ilegais que infringiam as leis de planeamento e urbanismo, várias igrejas receberam ordem de demolição, fosse para a demolição de cruzes no exterior ou para a demolição da totalidade dos edifícios.
Um paroquiano da recém-concluída igreja Sanjiang, aprovada pelo Governo, passou o cordão policial, fingindo fazer parte da equipa de demolição, e testemunhou a redução a escombros a que o seu lugar de culto foi sujeito. Disse: «As palavras não podem expressar quão traumático foi. Só conseguia pensar nas palavras de Jesus: ‘Eles não sabem o que fazem’ – eles não se apercebem, mas serão com certeza julgados por Deus». Um residente de Wenzhou disse: «Era um edifício mesmo grande e podia ver-se a cruz no topo a quilómetros de distância. Ouvi dizer que deixava os responsáveis governamentais zangados e por isso deitaram-na abaixo e livraram-se das provas». Para o lugar onde antes estava a igreja foi transplantado um pomar.
Desde Janeiro de 2015, a ‘Christian Solidarity Worldwide’ registou mais de 650 incidentes de agressão governamental contra igrejas na província de Zhejiang, incluindo a demolição total ou parcial de uma igreja ou edifício gerido por uma religião; aviso de demolição ou remoção de cruz; remoção forçada, demolição, modificação ou cobertura de cruz; e ferimento, detenção, prisão ou notificação relacionada com as demolições.
O bispo católico de 87 anos Zhu Weifang, de Wenzhou, membro da Associação Patriótica Católica Chinesa apoiada pelo Governo, considerou a demolição de igrejas «errada e injusta», referindo que a política «ataca as cruzes no telhado das igrejas, um sinal da fé cristã». O cardeal D. Joseph Zen disse à Ajuda à Igreja que Sofre: «O Governo chinês intensificou as perseguições recentemente. Vimos igrejas demolidas, cruzes retiradas de edifícios, por isso não podemos ter muita esperança no imediato. A Igreja continua escravizada pelo Governo».
De acordo com a Comunicação Social chinesa estatal, 1/8 dos oito milhões de residentes de Wenzhou são cristãos, o que significa que é um potencial embaraço num país onde o número de cristãos pode ultrapassar os 86,7 milhões de membros do Partido Comunista nas próximas décadas. De acordo com o ‘Pew Research Centre’, havia cerca de setenta milhões de cristãos em 2010, incluindo mais de 59 milhões de protestantes e mais de nove milhões de católicos. Legalmente, o Budismo, o Taoísmo, o Protestantismo, o Catolicismo e o Islamismo são religiões reconhecidas e os seus seguidores são autorizados a praticar o culto sob a égide de uma das ‘associações patrióticas’ aprovadas pelo Estado. Para os católicos, isto significa a Associação Patriótica Católica Chinesa e para os protestantes significa o Movimento Patriótico das Três Autonomias. Estas associações procuram controlar o Cristianismo na linha dos princípios do Partido Comunista. Mas muitos prestam culto fora destas estruturas oficiais, no que frequentemente é referido como igrejas ‘clandestinas’. No caso da Igreja Católica, muitas comunidades da Igreja ‘oficial’ são fiéis a Roma. Até 90% dos bispos e sacerdotes aprovados pelo Estado são reconhecidos pelo Vaticano.
Embora o regime não proíba tecnicamente as igrejas ‘clandestinas’, elas não estão autorizadas a realizar serviços religiosos públicos ou outras actividades. Cada vez mais, o registo estatal não é garantia de protecção contra a perseguição, como descobriram a igreja Sanjiang e muitas outras congregações do Movimento Patriótico das Três Autonomias em Wenzhou. Contudo, as restrições à prática religiosa são aplicadas a nível provincial e são abertas à interpretação local, daí que situações totalmente diferentes sejam vividas pelas comunidades ‘clandestinas’ e pela Igreja ‘oficial’ nas províncias da China.
Na defesa das suas acções, os responsáveis chineses tornaram-se cada vez mais versados na linguagem dos Direitos Humanos e do estado de direito para justificar a repressão às comunidades religiosas, daí o pretexto de planear regulamentos na província de Zhejiang. Aliás, a actual purga na província também afectou um pequeno número de edifícios não cristãos, incluindo templos budistas.”
In www.fundacao-ais.pt