“Dilexit nos” alerta para avanço da Secularização
O Papa Francisco publicou, no passado dia 24 de Outubro, a quarta encíclica do seu pontificado. Dilexit nos (“Amou-nos”) centra-se na devoção ao Coração de Jesus, anunciou o Vaticano.
“Carta Encíclica sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus Cristo” é o subtítulo do documento, anunciado pelo próprio Francisco, na Audiência Geral de 5 de Junho deste ano. Na ocasião, o Papa sublinhou a importância desta tradição espiritual, num mundo que «parece ter perdido o coração».
«Julgo que nos fará muito bem meditar sobre vários aspectos do amor do Senhor, que podem iluminar o caminho da renovação eclesial, mas que também dizem algo de significativo a um mundo que parece ter perdido o coração», afirmou, na Praça de São Pedro.
A 27 de Dezembro de 2023 celebrou-se o 350.º aniversário da primeira manifestação do Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque (1647-1690), tendo-se iniciado um período de celebrações que irá terminar a 27 de Junho de 2025.
«Apraz-me preparar um documento que reúne as valiosas reflexões dos textos precedentes do magistério e uma longa história que remonta às Sagradas Escrituras, para voltar a propor hoje, a toda a Igreja, este culto carregado de beleza espiritual», adiantou o Santo Padre.
Dilexit nos surge depois das encíclicas Lumen fidei (2013), que recolhe reflexões sobre a fé iniciadas por Bento XVI; Laudato si’ (2015), documento que propõe uma ecologia integral, abordando questões sociais e ligadas ao Meio Ambiente; e Fratelli tutti (2020), que recolhe as reflexões de Francisco sobre a fraternidade e a amizade social.
O nome da Encíclica – “Dilexit nos” – recupera uma expressão inscrita na Carta de São Paulo aos Romanos (Rm., 8, 37), sobre o amor de Cristo.
SECULARIZAÇÃO: PERIGO AUMENTA
Em Dilexit nos, o Papa alerta para um “forte avanço da secularização”, considerando que este visa “um mundo livre de Deus”.
“Acrescenta-se a isso, a multiplicação na sociedade de várias formas de religiosidade sem referência a uma relação pessoal com um Deus de amor”, escreve Francisco.
“No meio do turbilhão do mundo actual e da nossa obsessão pelo tempo livre, do consumo e da distracção, dos telefones e das redes sociais, esquecemo-nos de alimentar a nossa vida com a força da Eucaristia”, lamenta o Papa.
A publicação da Encíclica, escrita originalmente em Espanhol, foi propositadamente publicada na recta final da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos; fala em “comunidades e pastores concentrados apenas em actividades exteriores, em reformas estruturais desprovidas de Evangelho, em organizações obsessivas, em projectos mundanos, em reflexões secularizadas, em várias propostas apresentadas como requisitos que, por vezes, se pretendem impor a todos”.
Na nota explicativa, o Sumo Pontífice diz ter sentido necessidade de propor à Igreja “um novo aprofundamento sobre o amor de Cristo representado no seu santo Coração”. “Aí encontramos todo o Evangelho, aí está sintetizada a verdade em que acreditamos, aí está tudo o que adoramos e procuramos na fé, aí está o que mais precisamos”.
O Papa questiona um Cristianismo que se “esqueceu da ternura da fé, da alegria do serviço, do fervor da missão pessoa-a-pessoa”: “Nunca se deve esquecer este segredo: o amor pelos irmãos e irmãs da própria comunidade – religiosa, paroquial, diocesana, etc. – é como o combustível que alimenta a nossa amizade com Jesus”.
Ao longo de 220 pontos, divididos em cinco capítulos, uma introdução e uma conclusão, a 300.ª encíclica da História da Igreja passa em revista reflexões dos Papas antecedentes, do magistério católico e propostas de espiritualidade que remontam aos textos bíblicos. Nela, Francisco destaca que vários dos seus predecessores se referiram ao Coração de Cristo, convidando os católicos a “unir-se a Ele”, com várias referências à encíclica Haurietis aquas, de Pio XII (1956).
Dois capítulos abordam “aspectos fundamentais” para que a devoção ao Coração de Jesus mantenha a sua actualidade: “a experiência espiritual pessoal e o compromisso comunitário e missionário”.
O documento também aborda temas teológicos ligados à devoção ao Coração de Jesus, como a “consolação” e a “reparação”, destacando que “a Igreja não despreza nenhum dos bens que o Espírito Santo deu ao longo dos séculos”. “Que ninguém ridicularize as expressões de fervor devoto do santo povo fiel de Deus, que na sua piedade popular procura consolar Cristo”, pede o Papa.
O Santo Padre convida a entender a reparação como “a remoção dos obstáculos” à expansão do amor de Cristo no mundo, para que este encontre “novas expressões”: “Faz parte deste espírito de reparação o bom hábito de pedir perdão aos irmãos, que revela uma enorme nobreza no meio da nossa fragilidade”.
O texto evoca ainda os escritos de várias santas, que “narraram experiências de encontro com Cristo, caracterizadas pelo repouso no Coração do Senhor”.
A palavra “Encíclica” provém do Grego e significa “circular”, carta que o Papa enviava às Igrejas em comunhão com Roma, com um âmbito universal, onde empenha a sua autoridade de primeiro responsável pela Igreja Católica.
O Papa mais prolífico neste tipo de cartas é Leão XIII, com 86 encíclicas – embora muitos desses textos fossem, nos nossos dias, classificados como cartas apostólicas ou mensagens; São João Paulo II escreveu catorze encíclicas e Bento XVI, três.
In ECCLESIA – texto editado