Mercedes à frente… em testes inconclusivos
Após as férias, curtas para uns, longas para outros, a Fórmula 1 regressou ao trabalho, como sempre em Espanha, no Circuito de Barcelona-Catalunha, um autódromo que também já se chamou Montmeló. Os nomes referem-se ao local onde se disputa o Grande Prémio de Espanha de Fórmula 1 e muitas outras competições de carros e motos durante todo o ano.
Construído em 1991 é o local de eleição para os primeiros testes da categoria, sendo ali realizados todos os anos durante quatro dias entre finais de Fevereiro e início de Março, e mais quatro dias duas semanas depois. É aqui que se verificam todos os pormenores e fazem-se as últimas afinações antes dos carros seguirem para Melbourne, onde na última semana de Março costuma arrancar o Campeonato do Mundo de Fórmula 1, com o Grande Prémio da Austrália.
O Circuito de Barcelona-Catalunha (ou Catalunya) é bem conhecido por todas as equipas, uma vez que é utilizado para testes há 23 anos. Tem um traçado difícil, que exige atenção e muito empenho dos pilotos, obrigando os carros a um grande esforço mecânico. Com dezasseis curvas (todas diferentes), duas rectas curtas e uma bastante larga, quase sem subidas ou descidas, é muito rápido: o recorde da pista com quatro mil 665 metros é de 1 minuto, 21 segundos e 67 centésimas, estabelecido por Kimi Raikkonen com o Ferrari F2008.
Este ano os primeiros testes foram muito prejudicados pelas difíceis condições atmosféricas. O vento instável, alternando de direcção várias vezes, as temperaturas a rondar os dois graus celsius e a neve fizeram com que o testes tivessem sido bastante encurtados. Não obstante, os Mercedes de Lewis Hamilton e Valtteri Bottas deixaram uma mensagem de aviso à concorrência. Hamilton, que cumpriu cinquenta voltas, com pneus médios, foi meio segundo mais rápido do que todos os outros, muitos deles com pneus suaves ou ultra suaves.
Ainda assim não podemos tirar conclusões, dado que os tempos não são esclarecedores. As equipas de ponta tendem a esconder o verdadeiro potencial dos carros, servindo os primeiros testes para rodar os novos bólides. Do que se viu e ouviu, ficámos a saber – por agora – que todos os carros são competitivos… nesta fase.
Como se previa, o Halo foi a grande “vedeta” nas apresentações dos carros de cada equipa. Depois das primeiras voltas, muitas ou poucas, efectuadas pelos pilotos, as opiniões foram quase unânimes, com a maioria a minimizar a sua existência. A Force India (se ainda for este o nome da equipa, pois pode ser alterado a qualquer momento) queixou-se do facto de ter sido obrigada a desenvolver um chassi totalmente novo para suportar o Halo, o que lhe custou uma fortuna. Para a instalação do Halo, as equipas tiveram de testar as forças dinâmicas a ele associadas, ou seja, cerca de 32 toneladas estáticas, o equivalente ao peso de dois autocarros londrinos colocados em cima do dispositivo.
Gunther Steiner, da Haas F1 Team, foi quem teve o comentário mais apropriado para as circunstâncias. «Gosto dele? Não! Esta ali? Sim, então deixa-o estar». Por vezes, na vida, há momentos em que é inútil perder tempo com o incontornável. Está ali para ficar e é ali que ele fica.
Na parte técnica, depois da imposição absurda para muitos (Christian Horner, da Red Bull, classificou esta decisão como “nuts” = loucura) de que cada equipa só possa dispor de três unidades de força – leia-se, motores – para as 21 corridas do calendário deste ano, algumas marcas, como a Renault, estão a criar novas estratégias para minimizar as penalizações (que serão inevitáveis) nas grelhas de partida, optimizando assim os pontos possivelmente perdidos por cada “transgressão”.
Recordamos que a Renault, para além dos motores que equipam os seus carros de fábrica, fornece este ano motores a outras duas equipas, a McLaren e a Red Bull. Gerir um conjunto de apenas nove motores para 63 corridas será muito difícil. Cyril Abiteboul, o director desportivo da Renault, continua a afirmar que está fora de questão reduzir o desempenho potencial dos motores para aumentar a fiabilidade, mesmo que para isso tenha de largar do fim do “grid” por duas ou três vezes.
Bernie Ecclestone, o pai da Fórmula 1 moderna e seu patrão indiscutível até ao aparecimento da Liberty Media, veio a público lançar um repto aos novos patrões da categoria: «Façam da Fórmula 1 um campeonato cem por cento eléctrico. Com equipas a apresentarem os seus próprios carros, que devam poder fazer as mesmas distâncias dos fórmula 1 actuais, pois essa é a verdadeira linha do futuro do desporto automóvel». Ecclestone desafiou a Liberty Media a ter a coragem de o fazer «ou outros o farão». Lembramos que Elon Musk, o mentor dos modernos carros eléctricos, lançou há muito pouco tempo um campeonato com carros Tesla Model 3. O carro de corridas eléctrico não é novidade no desporto automóvel. O primeiro carro a ultrapassar a barreira dos cem quilómetros por hora era cem por cento eléctrico, de seu nome francês “Jamais Contente” (podemos traduzir como “nunca satisfeito” ou “insaciável”), e foi pilotado pelo belga Camille Jenatzy.
Há já alguns anos que os carros das categorias maiores das corridas dos campeonatos de Le Mans e Petit Le Mans são híbridos. Vários carros de rally e dois ou três carros que acabaram o Rally Dakar deste ano são movidos a eletricidade. Há igualmente campeonatos de motonáutica no Reino Unido e na Europa que utilizam motores cem por cento eléctricos.
O automobilismo sempre seguiu e, paradoxalmente, esteve à frente do que as fábricas de automóveis produziam e apresentavam nos salões da especialidade pelo mundo fora. Os já organizados este ano confirmaram a vontade da indústria em acabar com os carros equipados com motores de combustão interna, o que pode vir a ser uma realidade no início da próxima década. Faz pois todo o sentido que a categoria maior do desporto automóvel lidere essa transformação.
Manuel dos Santos