O milagre australiano
É um facto que no final do Grande Prémio da Austrália tenha tudo dado certo, à semelhança das séries de televisão em que “tudo acaba bem”. A começar com uma sessão de qualificação que se baseou num sistema de eliminação progressiva dos pilotos, a cada noventa segundos, o que deixou todos à beira de um ataque de nervos, desde pilotos, mecânicos, comissários de pista, espectadores, telespectadores e comentadores. Ficámos irritados, desiludidos e a pensar muito mal das pessoas que mandam na Fórmula 1.
Valeu o milagre do piloto espanhol Fernando Alonso – saiu ileso de um assustador acidente que destruiu por completo o seu McLaren-Honda – e a prestação altamente positiva da equipa norte-americana Haas Fórmula 1, que conseguiu marcar pontos logo na primeira prova, como tinha prometido o seu director e proprietário, Gene Haas, ainda antes dos testes oficiais em Barcelona.
O sistema de qualificação utilizado na Austrália – eliminação automática a cada noventa segundos – é perigoso. Suponhamos que os carros do pelotão da frente – leia-se, Mercedes, Ferrari, Red Bull e, porque não, a Williams – andam um pouco menos rápido do que o costume, e durante parte da qualificação vão sendo eliminados prematuramente, tendo que alinhar no “grid” atrás de carros mais lentos. A possibilidade de ocorrência de um acidente, que os coloque fora de prova, é real. É ver pilotos mais velozes a tentarem ganhar posições desde o apagar das luzes e a esbarrarem nos carros mais lentos, tripulados por pilotos menos experientes.
O caso é tão absurdo que os pilotos pediram que se regressasse de imediato ao sistema de qualificação tripartida, em vigor no ano passado, um pedido que não surtiu efeito devido a uma cláusula técnica, segundo a qual todas as decisões devem ser tomadas por unanimidade, o que não veio a acontecer. Assim, para este fim-de-semana, no Qatar, a FIA determinou que se mantivesse o sistema de eliminação progressiva, de que ninguém gosta, e que deixa todos, tanto no autódromo como em casa, sem saber o que se passa a cada volta. Os pilotos da McLaren e da Red Bull já vieram dizer que não aceitam participar nos treinos de qualificação. Como não temos o dom de prever o futuro, não sabemos o que está para vir. A reunião para se tentar contornar este impasse está agendada para hoje, antes da primeira sessão de treinos livres.
Voltando ao acidente que envolveu o McLaren de Alonso e o Haas de Esteban Gutierrez, verifica-se que não foi mais do que um acidente normal numa corrida de carros. Alonso viu uma oportunidade para ultrapassar Gutierrez e tentou a sorte. O mexicano “fechou a porta”, convencido que o espanhol reagiria a tempo, e Alonso acabou por chocar na roda traseira do lado esquerdo do bólide da equipa norte-americana. A partir desse momento, Alonso passou a ser um passageiro dentro do McLaren, que completamente descontrolado e aos saltos foi-se desfazendo até ficar imobilizado numa barreira de cimento. Foi com grande surpresa, e maior alívio, que vimos Alonso sair do que restava do seu carro. Estava espantado, sem perceber muito bem como é que não tinha um único arranhão no corpo. No seu “site” da Internet, o piloto elogiou o trabalho desenvolvido pelas equipas e pela FIA nos últimos cinco anos, que tornou os carros muito mais seguros e resistentes. Estamos convencidos que se este acidente tivesse acontecido há cinco ou seis anos, estaríamos a lamentar o desaparecimento de mais um campeão do mundo.
Na Austrália a sorte também sorriu a Gene Haas, que embora tenha perdido um carro na primeira participação no Grande Circo – trata-se da primeira equipa norte-americana a alinhar numa corrida de Fórmula 1, em 22 anos – conseguiu marcar pontos . Romain Grosjean foi o autor da proeza. Com uma condução inspirada e beneficiando da paragem da prova, em que pôde trocar de pneus, conquistou um fantástico sexto lugar.
Para se ter a noção de como este feito foi importante para a Fórmula 1, registe-se que todo o “staff” das outras equipas correram para o muro da pista (pitwall) para saudar o piloto francês, que não conseguiu aguentar a emoção e chorou, como uma criança, durante toda a volta de desaceleração.
Para terminar, damos conta da notícia de que a venda das acções da CVC (organismo que detém 33 por cento do capital da “Formula One Mangement”) pode acontecer a qualquer momento, pois já foi publicamente anunciado que se chegou a um valor aceitável para a operação. Está por descobrir quem são as partes interessadas na compra, sendo que, aparentemente, Bernie Ecclestone continuará à frente dos destinos da Fórmula 1.
Entretanto, a GPDA (“Grand Prix Drivers Association”) enviou uma mensagem clara e concisa aos dirigentes da categoria máxima do desporto motorizado a pedir (exigir, seria o termo mais correcto) uma alteração profunda no modo como é gerida a Fórmula 1. O milagre seria que tudo melhorasse e a Fórmula 1 voltasse às tardes de glória de um passado não muito distante.
Manuel dos Santos