A Igreja que ajuda
O Norte do Quénia vive uma grave crise humanitária resultante de uma seca que dura há mais de três anos e que, juntamente com as consequências da pandemia de Covid-19 e subsequente agravamento do custo de vida, deram origem a uma vaga de protestos antigovernamentais sem precedentes. Mas todo esse rebuliço acontece só nas cidades. Nas zonas rurais, as pessoas mal têm forças para se concentrarem na busca do pão e da água necessários ao dia-a-dia. A vida dos habitantes da região de Turkana, junto à placa tectónica queniana, o dito “Vale do Rift”, e do lago homónimo, por exemplo, «é simplesmente desumana». Palavras do padre Robbin Kamemba, superior provincial da Sociedade para as Missões Africanas (SMA) no País. Os aldeões chegam a percorrer a pé mais de 45 quilómetros em busca de água, quando a média africana para este tipo de tarefa primordial – com a qual se confronta grande parte da população do continente – «são dois ou três quilómetros».
Para agravar a situação, perderam-se já todas as colheitas, não sendo agora possível a obtenção de alimentos por meios próprios. Ou seja, todos, novos e velhos, dependem da ajuda externa. Algumas das terras estão de tal forma ressequidas que dificilmente proporcionarão qualquer tipo de pastagens no futuro. Recorde-se que neste ambiente desértico, hostil por natureza, sobrevivem comunidades rurais que mantêm há séculos um estilo de vida nómada. Dependem, sobretudo, da agricultura de subsistência e do pastoreio, actividades para as quais a presença regular da chuva é fundamental. Com a actual situação de seca, que atingiu níveis críticos, o impacto negativo na vida da população faz-se sentir dolorosamente: o gado morreu, nas pequenas hortas não há nada para colher, o alimento que habitualmente era consumido por uma pessoa é agora dividido por três ou quatro, as doenças abundam e as famílias desesperam ao ver partir os seus membros mais válidos rumo às cidades em busca de trabalho e sustento.
As crianças, em idade escolar, são as mais vulneráveis. Muitas morrem, sobretudo de fome, mas também de variadas doenças. Mais de quatro milhões de quenianos precisam desesperadamente de ajuda alimentar, entre os quais 960 mil crianças, todas elas gravemente subnutridas.
Os missionários da Sociedade para as Missões Africanas concentram a sua actividade na diocese de Lodwar, numa área de cerca de oitenta quilómetros quadrados, e graças à ajuda financeira da fundação italiana “Solidale Onlus” e da sua congénere holandesa “Brésillac” vão respondendo aos apelos dos mais necessitados. «Distribuímos alimentos, água e medicamentos. Já conseguimos atender mais de oitenta famílias, e a missão de socorro vai continuar enquanto os fundos disponíveis o permitirem», explicou à agência noticiosa do Vaticano o padre Robbin Kamemba. «Esta intervenção da SMA, e da Igreja em geral, é um testemunho concreto da nossa proximidade com os mais abandonados, com o povo de Deus em Lorugum e Namoruputh. Certamente se aperceberão da Divina Providência de Deus, mesmo no meio de todo este sofrimento», acrescentou.
Também a irmã Ligia Giron, da Congregação das Missionárias Sociais da Igreja, organismo religioso equatoriano que actua no Quénia desde 2000, alerta para as consequências da seca extrema que nem os breves momentos de chuva torrencial chegam a mitigar. «Em Turkana, tivemos chuva durante algumas horas esta semana, mas ela foi devastadora: matou muitos animais e algumas crianças», disse a religiosa. «Olhando para o lado positivo, a chuvada permitiu que a erva crescesse de novo nalguns pastos. Aqui no deserto, o abastecimento de água depende dos poços. Mas o seu nível é sempre muito baixo, insuficiente para as pessoas quanto mais para o gado. Nós, a Igreja, e as ONG vamos ajudando o melhor que podemos», acrescentou.
A fome e a seca, mas também os casamentos precoces, a situação dos órfãos e dos idosos, a educação e evangelização são algumas das prioridades das irmãs da Congregação das Missionárias Sociais da Igreja. Chegaram ao Quénia para uma experiência missionária de três anos, mas depois, ao perceber que sua presença no meio do deserto e o seu carisma «dera a muitos jovens o desejo de servir a Igreja através da nossa congregação», decidiram ficar. Actualmente, as três religiosas equatorianas contam com a colaboração de dezassete religiosas quenianas e, juntas, cuidam principalmente de crianças em idade pré-escolar, de zero a sete anos de idade, em áreas remotas junto à fronteira com a Etiópia. «Também trabalhamos num centro de acolhimento para órfãos e meninas nómadas forçadas ao casamento. É nosso objectivo, além de evangelizar, dar-lhes comida, educação e abrigo», informou a freira sul-americana. Infelizmente, desde a pandemia de Covid-19, falta-lhes pessoal para ajudar a cuidar dos quinhentos idosos que habitualmente estão a seu encargo, e agora só a algumas dezenas prestam apoio. O empenho destas missionárias estende-se também à diocese de Eldoret, no Vale do Rift, onde se ocupam principalmente da evangelização e do apoio social: «Cuidamos de crianças, mulheres, famílias, e é lá que hospedamos temporariamente o nosso noviciado», sublinhou a irmã.
A Congregação das Missionárias Sociais da Igreja foi entretanto convidada para a diocese de Homa Bay, província de Nyanza, para criar aí um centro de acolhimento para meninas forçadas à excisão, embora tal bárbaro acto seja proibido por lei. «Rezemos a Deus para que nos dê os meios necessários para iniciar essa obra que tantas vítimas inocentes ajudará», concluiu a irmã Ligia.
Joaquim Magalhães de Castro