Adão antes de Adão
Hoje começamos a ler a Bíblia juntos. Estamos a embarcar na viagem com todas as grandes figuras bíblicas, seguindo o que elas experimentam e sentem, na esperança de ganhar algum conhecimento sobre as suas vidas e sobre a nossa vida cristã.
Uma vez que muitas pessoas considerariam Adão e Eva como as figuras bíblicas mais conhecidas, assim parece natural começar a nossa viagem com estas. No entanto, acredito que a maioria das pessoas, como eu, antes de ler a história no seu original hebraico, não se aperceberam de que Adão já entrou em cena.
Contudo, não é inteiramente verdade, porque este Adão não é esse Adão de que o leitor está a pensar. Pensa-se, geralmente, que Adão (Hebraico:ʾādām) é o nome próprio do primeiro homem criado pelo Senhor Deus, em Génesis 2. O que talvez escape à atenção das pessoas é que a palavra “ʾādām” é ela própria um substantivo comum, que significa “ser humano” em geral. Segundo Génesis 1, no sexto dia, Deus decidiu criar a Humanidade. Depois, a narração diz: «Deus criou a humanidade (ʾādām)à sua imagem» (Gén., 1, 27). Como se vê, esta humanidade é, em Hebraico, ʾādām.
Mas a que se refere este ʾādām? Um artigo recente, escrito por Robert Miller, da Universidade Católica Americana, proporciona-nos alguma perspicácia acerca deste assunto. O versículo, Gén., 1, 27, há muito que é aceite como poético, em Hebraico, cuja principal característica é o paralelismo. Por conseguinte, deve ser lido e analisado como tal, e a análise pode ser demonstrada: Deus criou a humanidade (ʾādām) à sua imagem; à imagem de Deus, Ele os criou; macho e fêmea os criou.
Como o paralelismo acima ilustra, a Humanidade à imagem de Deus pode provavelmente ser entendida como a coexistência de ambos, macho e fêmea. Como Miller explica de uma forma mais coloquial, «numa sala onde existe apenas um grupo de homens, não podemos encontrar a imagem de Deus».
Para resumir o que dissemos até agora, a palavra hebraica ʾādām pode referir-se a um indivíduo específico, Adão, e pode também referir-se a toda a raça humana (como em Gén., 1, 27). Em alguns outros casos, pode mesmo ser usada para se referir a qualquer indivíduo. Em qualquer caso, antes do aparecimento de Adão em Génesis 2, a palavra ʾādām já havia aparecido em Génesis 1.
Ao ler histórias bíblicas, seria também interessante prestar atenção ao significado dos nomes das personagens. Particularmente no Antigo Testamento, o nome de uma personagem reflecte muito frequentemente o que lhes vai acontecer, ou mesmo o seu destino.
Por um lado, os estudiosos bíblicos acreditam que a palavra ʾādām está relacionada com o adjectivo “ʾādōm”, “vermelho”. Esta não é a cor vermelha brilhante que frequentemente vemos, como o vermelho de uma caneta vermelha. Pelo contrário, é a cor ruiva, ou castanho-vermelho, que está a ser referida pelo adjectivo. É próximo da cor da pele daqueles que viviam no antigo Próximo Oriente (que cobre mais ou menos, mas não exactamente, a área a que chamamos hoje de Médio Oriente).
Por outro lado, alguns comentadores bíblicos acreditam que a palavra ʾādām está relacionada com o substantivo “ʾădāmâ” (terra, solo arável). Muito provavelmente, esta derivação semântica também estava na mente do autor bíblico quando escreveu, «então o Senhor Deus formou o homem (ʾādām)a partir do pó da terra (ʾădāmâ)» (Gén., 2, 7).
Acredito que os meus cuidadosos leitores podem já ter compreendido esta primeira alusão. De facto, à medida que a história se desenrola, o destino de Adão (ʾādām) está entrelaçado com o solo (ʾădāmâ). Primeiro, logo após o Senhor Deus ter formado Adão e o jardim, Ele fá-lo imediatamente instalar-se nele. A sua tarefa é “cultivá-lo e cuidar dele” (literalmente, a frase significa “servi-lo e guardá-lo”, o que basicamente significa trabalhar nele e cuidar dele). Isto, claro, não é o destino de Adão; está, pois, mais directamente relacionado com o solo. O ponto importante, tenho a certeza que todos vós o sabeis, está contido nas palavras que o Senhor Deus lhes disse, depois dele e da sua mulher terem comido a fruta que Ele os proibiu de comer….
(continua)
Andrew Leong
Universidade de São José