O que é a Cooperação com o Mal?
Já vimos como a vida pode ser complicada. Agora iremos ver uma das suas complicações.
Poderá ter acontecido que tenhamos feito uma acção boa, com boas intenções e boas circunstâncias. Mas teremos com esse acto facilitado o mal de outra acção?
Deixem-nos supor que um dia estamos em casa de um amigo, que o tempo está quente e decidimos abrir uma janela. Este facto, em si mesmo, é uma boa acção. Mas eventualmente saímos de casa, esquecemos a janela aberta e um ladrão entra e foge com muitos bens valiosos. Este é um exemplo de um “acto com múltiplas consequências” (ver FILOSOFIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ, nº 68). Quando uma acção facilita a que outra pessoa cometa um acto mau, é denomina “cooperação com o mal” (ou “cooperação no mal”).
Pode uma pessoa cooperar para uma acção má de outra pessoa?
Em primeiro lugar temos que diferenciar dois tipos de cooperação com o mal: (1) cooperação formal e (2) cooperação material. Qual é a diferença entre os dois?
A cooperação formal com o mal dá-se quando com conhecimento e de livre vontade prestamos assistência a uma pessoa que está a cometer, ou pretende, cometer um acto mau. A cooperação formal pode ser (1a) explícita ou (1b) implícita. Em qualquer destes casos a pessoa que coopera formalmente também é culpada do acto imoral. Por exemplo, uma pessoa diz-nos que está muito desesperada e que se quer enforcar… e nós damos-lhe uma corda. Isto é cooperação formal no mal e somos tão culpados pelo suicídio como quem o comete.
Na cooperação material uma pessoa dá assistência sem o seu consentimento explícito ou implícito para o acto mau de outra pessoa. A cooperação material pode ser (2a) directa ou (2b) indirecta. A cooperação material é (2a) directa quando a contribuição do ajudante for directa ou essencial ao acto mau. Este facto só é moralmente aceitável se cometido sob coacção. A cooperação material (2b) é indirecta quando a contribuição do colaborante é indirecta ou não é essencial à execução do acto mau. Pode-se colaborar materialmente de forma indirecta se duas condições estiverem reunidas: Se se tiver uma razão lógica para a cometer e não houver perigo de escândalo (“escândalo” significa “incitar ou levar terceiros a pecar”). É o caso da empregada de uma farmácia que vende contraceptivos. Ela sabe que fornecendo os meios artificiais de evitar a vida (gravidez) é imoral. Mesmo assim, dada a dificuldade em encontrar um emprego na cidade onde vive, não se pode despedir, pois colocaria a sua família numa situação de dificuldade financeira. Por isso, opta por ficar naquele emprego, apesar de saber que não pode promover activamente os contraceptivos que se vendem na farmácia onde trabalha. A sua acção e intenção é a de ganhar dinheiro para se manter (o que é um acto bom), mesmo que tenha um efeito secundário (ver FILOSOFIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ, nº 68).
A cooperação material pode ainda ser (2b-i) próxima ou (2b-ii) remota, dependendo da relação que a pessoa tenha com o acto mau. Um exemplo de cooperação remota: Um técnico de computador arranja o “laptop” de um amigo a pedido deste. Assim que o devolve já arranjado, o amigo usa-o para ver pornografia.
Não nos podemos também esquecer que podemos estar a cooperar com o mal, quer façamos algo (cooperação activa), quer não façamos (cooperação passiva). Por exemplo, não evitarmos que outra pessoa cometa um crime, quando temos a possibilidade para o fazer.
Há muitos casos de cooperação com o mal. Para uma discussão mais aprofundada dos princípios que respeitam as instituições católicas que se dedicam à prestação de serviços de saúde, o leitor pode consultar o que escreveu John A. Di Camillo “Understanding Cooperation with Evil” (https://www.ncbcenter.org/files/7214/4916/4375/NCBC_EM_July2013.pdf).
Pe. José Mario Mandía