Podemos falar sobre algo que não conhecemos?
O que acontece quando alguém tenta falar sobre algo do qual nada sabe? Dizemos que está a dizer disparates. Este é o assunto que iremos dissecar hoje. Mas antes, faremos um breve resumo do que já falámos.
No primeiro artigo desta série perguntámos porque é que precisamos da Filosofia. Relembrámos a afirmação de Sócrates de que “a vida não examinada é uma vida que não merece ser vivida”. A Filosofia ajuda-nos precisamente a pensarmos sobre a nossa vida. Além disso a Filosofia é útil à fé, de pelo menos de três maneiras. Ela prepara uma pessoa para entender a fé, prepara-a para aprofundar o seu conhecimento sobre a fé, e ainda é uma ajuda na explicação e defesa da fé. A fé necessita da Filosofia e do Raciocínio. A fé, sem compreensão, transforma-se em superstição, disse o Papa Bento XVI.
No segundo artigo abordámos as três formas de realidade que a Filosofia estuda. O mundo, o homem e Deus, e as diferentes ramificações que surgem desses factos.
Na semana passada discutimos as três formas de obtenção de conhecimento: por observação directa, pelo raciocínio e pela informação fornecida por terceiros (uma testemunha) – um conhecimento baseado na confiança ou na fé.
Agora voltemos ao tópico de hoje. Pode alguém falar sobre algo, se não conhecer nada sobre o assunto?
Esta pergunta leva-nos a outra questão: posso conhecer algo que não exista? Será possível conhecer-se o “nada”?
Acho que responderam “não” a ambas as perguntas. E essa resposta revela-nos três realidades, três “mundos”, nos quais nos movemos: a realidade do mundo real (o mundo exterior a nós), a realidade dos nossos sentidos, sentimentos e pensamentos, e a realidade da linguagem. E as respostas às perguntas anteriores apontam para uma relação de dependência: o que nós dizemos (linguagem) depende do que conhecemos (pensamento) e o que conhecemos depende do que na realidade existe. A linguagem depende do pensamento, o pensamento depende do “ser”. Concordam?
A relação entre as três premissas foram expressas por Aristóteles na sua obra “Peri hermeneias” (traduzido do Latim como “Em interpretação”). Explica que as palavras escritas (em Grego: “graphomena”) são os símbolos das palavras faladas (em Grego: “phone”) e as palavras faladas, por seu lado, são os símbolos do que ele chamou “pathemata” (“afectos da alma”: sentidos, sentimentos e pensamentos).
Deixem chamar-lhe “conteúdo mental”. O conteúdo mental é a semelhança das coisas que existem (em Grego: “pragmata”).
Tanto as palavras faladas como as palavras escritas são símbolos, que são selecionados por cada comunidade falante. Os conjuntos de símbolos usados em cada lugar são diferentes dos usados noutros lugares. A palavra “cão” é diferente em Espanhol, Alemão, Chinês ou Tagalog.
Tanto as palavras faladas como as escritas simbolizam conteúdo mental. Aristóteles disse que os conteúdos mentais (ex: o conceito “cão”) são semelhanças da realidade; são os mesmos para todos os homens e mulheres, porque as coisas são as mesmas em todas as culturas (os cães são basicamente iguais em Espanha, na Alemanha, na China e nas Filipinas).
Porque os conteúdos mentais são os mesmos para todos, é possível traduzir de uma língua para outra, porque, se bem que os símbolos sejam arbitrários, todos os homens e mulheres partilham os mesmos conceitos sobre as mesmas coisas.
Naturalmente poderá haver ligeiras diferenças de compreensão, o que explica porque é que palavras simbolizando o mesmo conteúdo mental possam ter nuances nos seus significados, de uma cultura para outra.
Para acabar, o que desejaria assinalar é como este básico estado de coisas tem sido ignorado pelos filósofos, começando com René Descartes. A explicação aristotélica diz-nos que a linguagem depende do pensamento (conteúdo mental) e o pensamento depende da realidade. Para Descartes, tudo (incluindo a realidade), depende do raciocínio e começa no pensamento. E para alguns outros, tudo depende da linguagem. Conseguem descobrir as dificuldades nestas posturas? O que acontece quando baseamos tudo no pensamento ou na língua?
Deixo-vos a pensar sobre uma possível resposta.
Pe. José Mario Mandía