Filosofia, uma dentada de cada vez (31)

Outros dois Transcendentais?

Da última vez vimos que os Transcendentais são propriedades do ser. E discutimos quatro desses transcendentais: unidade, verdade, bondade e beleza. Dissemos que os transcendentais se referem à mesma realidade (mesma Bedeutung), mas que os seus significados diferem uns dos outros (cada um tem o seu próprio Sinn – significado). Resumindo, eles não são sinónimos.

Mas, de facto, são intercambiáveis. O que é uno também é um “ser” – “ens et unum convertuntur”. O que é verdade também é um “ser” – “ens et verum convertuntur”. O que é bom também é um “ser” – “ens et bonum convertuntur”. O que é belo (tem beleza) também é um “ser” – “ens et pulchrum convertuntur”. Na realidade, são o mesmo. E ainda assim, na nossa mente ou na nossa fala, não são o mesmo.

Deixem-nos passar aos dois últimos transcendentais: bondade e beleza.

BONDADE: Assim como a verdade, a bondade também aparece em vários níveis diferentes. Não vamos falar aqui da bondade moral (a conformidade de uma acção com uma norma moral), mas da bondade ontológica. E como é definida a bondade? Uma coisa boa é algo que pode ser desejada. Sim, é essa a sua definição. Uma coisa boa é algo que nos atrai. E como nós não podemos conhecer o não-ser (lembremo-nos que a verdade é o que pode ser conhecido), não podemos querer um não ser (algo inexistente). Desejamos algo que existe, ou que pelo menos tenha o potencial de vir a existir.

À semelhança dos outros dois transcendentais, há mais bondade onde existe “mais” ser. Na próxima semana iremos ver mais detalhadamente este facto.

BELEZA: São Tomás de Aquino definiu a beleza como “id quod visum placet” – aquilo que nos agrada ou dá prazer quando a vemos. No entanto há um ditado popular que diz: “a beleza está nos olhos de quem vê: o que agrada a uns pode não agradar aos outros” . A beleza parece ser subjectiva, ao contrário de “ser”, “uno”, “verdade” e “bondade”.

Na definição de São Tomás de Aquino a palavra “visun” não se refere apenas a visão. Podemos incluir qualquer tipo de percepção, especialmente a audição e a compreensão. Por exemplo, podemos dizer que a sinfonia que estamos a ouvir é bela, ou que a ideia que um colega propôs é bonita.

A palavra “placet” refere-se não apenas a uma sensação de felicidade/bem-estar, mas inclui o prazer da vontade.

São Tomás dá-nos três elementos que nos proporcionam beleza: a integridade ou compleição do ser, harmonia ou o sentido da proporção, e clareza.

Por integridade ou compleição quis dizer que todos os elementos necessários estão presentes. Por exemplo: a uma canção em que falte uma linha na pauta, ou a uma estátua com uma peça partida, ou a um discurso onde o orador não apresente uma conclusão, falta beleza.

Por harmonia ou sentido da proporção quis dizer que as partes estão bem posicionadas no conjunto, que lhes foi concedida a devida importância ou lugar. Imaginemos, por exemplo, um coro a cantar, e os tenores cantam mais alto que os sopranos, os altos e os baixos. Não chamaríamos de bonito a esse desempenho, antes pelo contrário achá-lo-íamos horrível.

Finalmente, por clareza, São Tomás quer dizer que a coisa pode ser vista, ouvida ou compreendida claramente, sem equívocos. Por exemplo, se uma ideia não for exposta devidamente, então não será possível apreciá-la. Se alguém não puder ouvir as palavras do poema que está a ser recitado, não poderá sentir-se deleitado, antes sentirá pesar.

A beleza parece ser o último dos transcendentais, mas como disse o Papa Bento XVI, «nos lugares onde o povo possa não se interessar em ouvir a verdade, ou discutir o bem, a beleza talvez abra o caminho para a aceitação de ambos [o bem e a verdade]».

Pe. José Mario Mandía

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