Com o aproximar do final do ano, aproximam-se também momentos em que todos temos de tomar decisões complicadas. Seja decidir se vamos para qualquer lado – aproveitar para passar a Quadra Natalícia longe da família e amigos – ou se, este ano, ficamos junto dos que mais gostamos. Ou, ainda no caso da maioria dos que vivem fora de Portugal, se regressam para revisitar os familiares e memórias antigas. Também temos ainda de decidir o que comprar e para quem – que brinquedos e que lembranças –, um sem fim de pormenores que levam a maioria dos adultos ao limite da sanidade e os mais novos a tornarem-se pequenos seres insuportáveis.
Cá em casa, de há seis anos a esta parte, apenas houve um Natal onde a mais pequena teve uma prenda daquelas de deixar todos em suspense e ela em pulgas. Foi no primeiro Natal que passou em Portugal depois de vir do veleiro, quando recebeu a sua primeira bicicleta. Nunca acreditou que tinha sido dada pelo Pai Natal pois até se tinha portado bem durante esse ano. Era esperta demais para isso, sabia certamente que se não se tivesse comportado bem não seria recompensada. Por outro lado, nós adultos nunca recorremos a prendas para recompensar o bom comportamento ou, no oposto, a castigos para reprovar atitudes menos boas.
Claro que há prendas no nosso Natal, dado ser uma tradição familiar, à semelhança do que acontece noutros lares. Contudo, sempre primámos por prendas simbólicas e de baixo valor. Regra geral, uma caixa de chocolates, uma garrafa de vinho ou qualquer outro artigo mais barato. As prendas de valor mais elevado, quando as há, são dadas durante o ano, sem que haja uma data especial. Por exemplo, a Maria recebeu este ano uma segunda bicicleta – a tal que recebeu no Natal já lhe estava pequena. Não foi pois preciso esperar por uma ocasião especial para que recebesse uma nova bicicleta. Precisava, era necessária e surgiu a possibilidade de a comprar; fomos com a Maria à loja, escolheu o modelo e trouxemo-la para casa. No entanto, se não tivesse agora a nova bicicleta também não iria ficar triste ou desapontada.
As crianças, e a Maria não é excepção, gostam de prendas, gostam da antecipação e da sensação de abrir embrulhos. Até muitos os adultos gostam, quanto mais as crianças… E para que este gosto não desapareça, a nossa filha tem para este Natal quase vinte pacotes para desembrulhar. Ou melhor, para rasgar! No seu interior vai encontrar pequenas coisas de que necessita no dia-a-dia: roupa e material escolar, entre outros itens de uso diário. E ela sabe-o! Tem já a perfeita consciência de que não irá ter mais brinquedos porque os vai receber durante o ano, sem que nada de especial aconteça.
Esta quadra é por tradição uma época de exageros, quando devia ser uma ocasião para nos fazer estar mais perto de quem nos é mais importante e de quem mais precisa. É o que aprendemos desde pequenos, mas quando nos tornamos adultos esquecemos completamente com a “ajuda” das grandes campanhas de marketing.
Durante os anos que vivemos em Macau não houve uma única época natalícia que não tivéssemos feito algo pelos outros, fosse ajudando em algum lar de pessoas carenciadas ou visitando os utentes do lar da Santa Casa da Misericórdia. Houve sempre lugar, nesta família cristã-budista, para os mais carenciados, especialmente numa época tão importante para os cristãos. Depois, nos anos que vivemos a bordo do veleiro, nos três Natais que passámos na água, fizemos sempre questão de manter a tradição de dar ao próximo e tentar fazer o Natal dos mais carenciados um pouco mais risonho. Ao contrário do que nos tentam vender nas televisões, aliás, na Comunicação Social em geral, não é preciso doar dinheiro ou outros bens, basta estar presente e, acima de tudo, disponível – disponível para ajudar, disponível para conversar, disponível para sorrir e abraçar.
Este ano não será diferente. Depois das festividades em família na casa dos meus pais, certamente encontraremos tempo para passar pelo lar de idosos da vila ou pela Obra do Frei Gil, na Praia de Mira, onde vivem dezenas de crianças que não têm família biológica.
Como também já vem sendo tradição, neste último artigo de 2019 aproveito para desejar a todos os leitores e assinantes d’O CLARIM, tanto de Macau como espalhados pelo mundo, um Santo Natal e um Próspero Ano Novo. Que 2020 traga apenas coisas boas para as vossas vidas e que todos os vossos sonhos se tornem realidade.
Em Janeiro cá estaremos de novo para nos irmos encontrando nas linhas deste jornal, assim queiram saber das nossas andanças. Será um ano de muitas descobertas e algumas surpresas. Temos várias ideias que esperamos colocar em prática. Algumas irão correr bem, outras talvez nem por isso. Mas não serão os insucessos que nos irão fazer baixar os braços.
Há oito anos, ainda em Macau, nunca nos passaria pela cabeça que em 2019 estaríamos em Portugal a vender comida tailandesa, e que já teríamos velejado suficientes milhas náuticas para ir duas vezes de Macau a Portugal, montados num barco.
O que aprendemos com todas estas experiências é que devemos sempre manter a mente aberta a novas aventuras, manter o espírito de ajuda aos outros e não sermos tão agarrados aos bens materiais.
O Natal, que bem pode ser todos os dias, deverá servir para continuarmos as boas acções que vamos fazendo durante o resto do ano.
João Santos Gomes