CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXXXIII

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXXXIII

O Puritanismo – I

Muito se fala de “Puritanismo” e “Puritanos”. Como também aqui o temos feito. Por isso, reflictamos sobre o conceito, na história, no modo e na sua actualidade, como movimento religioso, nem sempre na ortodoxia, o que o inclui nesta série. Mas se recordarmos o pensador francês Alexis de Tocqueville, na sua magnífica e luminar obra “A Democracia na América”, o Puritanismo é talvez mais uma teoria política do que uma doutrina religiosa.

Puritano designa uma tendência religiosa para o rigorismo na observância dos ritos, além de um despojamento em relação ao culto e liturgia, bem como uma estrita austeridade moral. Os membros deste grupo estavam muito focados na leitura da Escritura, como fundamento da sua fé, ao sacerdócio universal e nessa moral estrita e dura.

A palavra “Puritano” surgiu pela primeira vez no início da década de 60 do século XVI, mas como uma forma depreciativa em relação àqueles que pretendiam uma nova reforma na reforma anglicana, ou seja, uma “purificação” da Igreja de Inglaterra. Tinha este projecto de renovo uma inspiração calvinista, recusando não apenas a reforma (e a Igreja homónima) anglicana mas também a católica.

Um movimento religioso, ou dissidência, que conheceria, no entanto, logo a suspensão, pouco tempo depois de surgir. As críticas à soberana, a Rainha Isabel I, e principalmente à sua política religiosa, contribuíram para a suspensão. A Rainha, apesar de ser opor ao Papismo ou a uma filiação indiscutida a Roma, desejava manter a exposição e pompa, a solenidade e as grandezas cerimoniais, herdadas da liturgia romana em vigor até meados do século XVI na Inglaterra. Esse desejo valeu-lhe firme oposição na corte e em sectores religiosos, principalmente no sector puritano. A indisposição destes opositores a essa pretensão régia conheceria o seu auge quando a Rainha ordenou que se observasse uma exacta uniformidade em todos os ritos e cerimónias públicas na Igreja Anglicana. Muitos ministros mais rigoristas mantiveram a sua oposição e foram proibidos de exercer o seu múnus, sendo expulsos das suas circunscrições e depois mesmo de pregarem.

OS PURITANOS E O CALVINISMO

Os primeiros grupos puritanos eram calvinistas, que pretendiam purificar a Igreja Anglicana através da remoção do que “restava” de Catolicismo e aproximá-la da sobriedade calvinista, principalmente no plano litúrgico. Os puritanos acusavam os anglicanos de ainda não terem completado a reforma e de estarem impregnados de alguns preceitos e tradições católicas, nomeadamente nas crenças e na liturgia. Uma outra crítica era a de que a Igreja Anglicana estava umbilicalmente ligada ao poder em Inglaterra, sendo por isso arbitrário e condicionado na acção e na forma.

A inspiração calvinista dos puritanos ingleses foi sempre evidente. Aliás, não apenas inspiração, mas antes mesmo filiação naquela reforma. Com efeito, os puritanos ingleses, por exemplo, aceitaram desde o início a doutrina da predestinação, própria do Calvinismo. A predestinação, a decisão de Deus pela qual o homem é chamado à Salvação, tinha para os calvinistas o sentido de que a escolha eterna dos eleitos (um pequeno número) e também dos condenados era feita por Deus. Não havia qualquer interferência do homem, portanto, na sua salvação individual.

O movimento foi depois perseguido na Inglaterra, na sequência da sua suspensão. Muitos deixaram o País a partir de finais do século XVI e princípios do seguinte, ficando conhecidos precisamente pela vaga migrante que chegou ao litoral de Massachusets em 1620, desembarcando do Mayflower, no núcleo conhecido como os Pilgrim Fathers.

 

UM NOME, VÁRIOS GRUPOS

 

Sob a designação de “Puritanos” encontramos várias tendências, ou até grupos. A formulação de uma definição exacta para incluir todos numa designação homogénea e coerente é difícil. Mas vejamos a génese do movimento para percebermos a ramificação. Em Inglaterra perdurava ainda na época, finais do século XVI, um grupo de católicos, portanto, como o nome o diz, fiéis a Roma. Mas eram perseguidos e ameaçados. Um outro grupo, dominante e crescente, era pois o anglicano, resultado das reformas de Henrique VIII e da Rainha Isabel I. depois surgiam os puritanos, os mais radicais e que defendiam a instauração de uma Igreja como a de Genebra ou na Escócia, calvinista. A oposição radical a Isabel valeu-lhes o exílio, como vimos, recebendo a designação corrente de puritanos por volta de 1654.

Os puritanos tinham igualmente uma divisão interna, em dois ramos: aqueles que favoreciam a forma presbiteriana da sua ideia reforma para a Igreja de Inglaterra, e aqueles que buscavam a independência de cada comunidade local, conhecida como “independente” ou “congregacionalista”. Este segundo grupo era o mais radical. No entanto, até então, todas essas tendências continuavam sendo membros da Igreja inglesa. Nas lutas entre Carlos I e o Parlamento, os puritanos foram os campeões dos direitos populares. A princípio, o grupo presbiteriano passou a dominar. Por ordem do Parlamento, uma assembleia de ministros puritanos, realizada em Westminster em 1643 (a Assembleia de Westminster), preparou a Confissão de Westminster e os dois catecismos, considerados como agregadores dos ideais presbiterianos e congregacionais. Durante o Governo de Oliver Cromwell (1653-1658), o elemento independente, ou congregacionalista, triunfou. Com Carlos II (1659-1685), os anglicanos assumiriam novamente o poder e perseguiram os puritanos, acusando-os de não-conformistas. Após a Revolução de 1688, os puritanos assumiram-se como dissidentes da Igreja de Inglaterra e obtiveram direitos como organizações separadas, mas fora da Igreja estabelecida. Do movimento puritano, emergiram três Igrejas: a Presbiteriana, a Congregacional e a Baptista, como refere o historiador Jesse Lyman Hurlbut, em “History of the Christian Church”.

O sentido actual do termo remete para rigor, moral principalmente, com intuito de restaurar o Cristianismo “puro” do Novo Testamento, do qual deriva o nome de “Puritanismo”. O movimento ganhou foros políticos, levou à revolução armada, à reorganização da Igreja de Inglaterra sob um Governo presbiteriano, à Assembleia de Westminster e até à execução de um Rei, Carlos I, em 1649. Após a restauração da monarquia, a Lei da Uniformidade de 1662 resultou na demissão de aproximadamente dois mil ministros puritanos. Muitos puritanos fugiriam do País, para a Nova Inglaterra, na América do Norte.

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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